quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

WEB LuAr - Capítulo 33 / Parte 1 :

Respire. 
Mantenha a calma. 
Pense. 
Tudo vai dar certo. 
Agora… Hora de reagir. 
Voltei a fixar meus olhos na diretora, e entrei na sala, fechando a porta atrás de mim. Caminhei rapidamente até a cadeira vazia, que graças a Deus, ficava na ponta, ao lado da de Thur. Pelo menos eu não precisaria ficar perto de Mica, muito menos de Maria. 
- Imagino que saibam por que estamos aqui, certo? – a diretora Scott disse, olhando para mim e para Thur, que assentiu – Não deve ser surpresa para nenhum dos dois o fato de que o professor Borges fez algumas acusações a seu respeito, então. 
Engoli em seco, vendo-a nos encarar incisivamente. Um silêncio tenso caiu sobre nós, até que Thur o quebrou. 
-Ainda assim, eu gostaria de ouvir o que o professor Borges tem a dizer – ele falou, extremamente sério, e ela ergueu uma sobrancelha, como se achasse seu pedido uma perda de tempo – Receber uma punição sem ouvir as acusações seria o mesmo que assinar um contrato sem lê-lo. 
Após alguns segundos de reflexão, a diretora pareceu convencer-se. 
- Por favor, professor Borges, repita o que me disse há pouco – ela assentiu, voltando seu olhar para Mica, assim como todos nós. Ele me lançou um rápido olhar antes de começar a falar, e eu me senti estranhamente enjoada. 
Talvez prevendo o que viria. 
- Eu fui ameaçado. 
Franzi a testa, sem me recordar do momento em que tal fato havia acontecido. Talvez porque ele 
não tenha acontecido. 
- Ela sempre teve essa obsessão por mim, desde que comecei a dar aulas para a sua turma – Mica prosseguiu, e eu senti que precisaria de muito esforço para que meu café-da-manhã, ainda sendo digerido em meu estômago, não fosse parar sobre a mesa da diretora – Eu sempre tentei evitar qualquer tipo de aproximação desnecessária, até o dia em que ela se cansou de meu comportamento profissional e ameaçou me acusar de abuso sexual se eu não aceitasse um relacionamento íntimo. 
Meu rosto estava congelado numa expressão incrédula, ultrajada e revoltada. Eu só podia estar delirando… Não havia outra explicação plausível. 
- Eu preciso do emprego, não tenho a vida ganha – ele continuou, com a expressão inocente, e minhas mãos se fecharam em punhos em torno dos apoios laterais da cadeira – Por isso, temendo que ela realmente me denunciasse, eu aceitei sua condição, mas sempre pensando numa forma de fazê-la voltar atrás e retirar sua ameaça. Felizmente, após algum tempo, convencida de que eu jamais poderia retribuir seus sentimentos, ela me libertou de sua chantagem. Infelizmente, porém, seu foco desviou-se para outro professor. 
- No caso, o professor Aguiar – a diretora disse, e Mica assentiu. Meus olhar estava inconscientemente cravado nele durante todo o seu falso depoimento, e eu não me surpreenderia nem um pouco se ele e Maria começassem a pegar fogo dali a alguns segundos devido ao meu ódio. Olhei rapidamente para Thur, vendo-o encarar a mesa com o rosto isento de expressão. 
Ele já esperava truques baratos como aquele. Eu também já. Mas não tão baratos como simplesmente jogar toda a culpa para cima de mim. E ainda por cima, trazer Maria, cuja presença eu ainda não entendia. 
- Não foi muito difícil para ela fazê-lo corresponder seus sentimentos, já que seu histórico entre as alunas do colégio sempre foi bastante comentado – ouvi Mica falar, e decidi adotar a tática de Thur e não olhar mais para ninguém; mantive meus olhos baixos e o maxilar trancado, recusando-me a assistir àquele momento deplorável - E honestamente, diretora, eu não creio que seja esse o tipo de profissional que uma instituição de ensino tão renomada queira ter em seu corpo docente. Além do fato de que a srta. Messi claramente necessita de suporte psiquiátrico, afinal, ninguém em seu perfeito estado mental faria o que ela fez. 
Vai pro inferno, desgraçado, minha consciência dizia, e eu respirei fundo para não externar as palavras. Virei meu rosto na direção oposta à de Mica e todos os outros presentes, sentindo meu corpo inteiro queimar de ódio. Filho de uma senhora puta. 
- O que os senhores têm a dizer? – Maggie perguntou alguns segundos depois, e nem precisei olhá-la para saber que se referia a mim e a Thur. Ele suspirou, preparando-se para falar, porém as palavras simplesmente irromperam de minha boca, sem que eu sequer me desse conta de que elas estavam subindo por minha garganta. 
- Se eu dissesse que é tudo mentira e que quem precisa de suporte psiquiátrico é ele, a senhora acreditaria em mim? 
A diretora piscou algumas vezes, surpresa com a minha resposta rápida, e eu a encarei com determinação. Se ele achava que conseguiria nos afundar sem que eu lutasse contra isso, estava muito enganado. Ele podia ter sua determinação, mas ela nem se comparava à minha. 
Eu tinha por quem lutar. Ele só tinha a si mesmo. 
- Acreditaria – ela disse, devolvendo meu olhar determinado com firmeza – Se fosse apenas a sua palavra contra a do sr. Borges. O que não é o caso. 
Cerrei levemente meus olhos, sem entender, e foi então que uma quinta voz finalmente se pronunciou, explicando o motivo de sua presença. 
- Eu vi o professor Aguiar e a Messi se beijando no laboratório de biologia – Maria mentiu, me lançando um olhar de censura. Fechei meus olhos por um breve momento, soltando um risinho descrente, e voltei a baixar meu olhar. 
Sério mesmo, Smithers? 
- Há uma testemunha contra vocês – a diretora observou, entrelaçando seus dedos por sobre a mesa – E isso não pode ser ignorado. 
- É mentira – Thur se pronunciou, sem perder a inexpressividade, porém com muita certeza do que dizia – Nós nunca fizemos nada nos laboratórios. Mesmo que ela seja uma suposta testemunha, é a minha palavra contra a dela. 
- Ah, é? E você tem como provar que seu argumento é verdadeiro? – Maria perguntou, esquecendo-se de comportar-se educadamente. 
- Você tem como provar que o 
seu é? – rebati, encarando-a com desprezo e destruindo sua autoridade num segundo. Thur não estava sendo totalmente sincero, mas nunca havíamos sido flagrados no laboratório, sempre nos precavíamos. Aquele testemunho era absolutamente inconcebível. 
- Com licença, diretora Scott – ouvi uma voz masculina dizer da porta, e todos nos viramos para ver o inspetor – Desculpe interromper. 
- Tudo bem – ela bufou, incomodada com a intervenção – O que houve? 
- A mãe de uma aluna acabou de ligar para a secretaria – ele explicou, e eu franzi a testa ao ver duas cabecinhas familiares por sobre seu ombro – Ela disse que está vindo para o colégio falar com a senhora. 
Prestei pouca atenção em suas palavras, mais concentrada em saber o que raios Sophia fazia do lado de fora da secretaria, acenando discretamente para mim e acompanhada de Amy Houston. Totalmente confusa, olhei rapidamente para Thur, que ostentava a mesma expressão perdida que eu. 
- Esta manhã eu não posso atender mais ninguém – a diretora falou, balançando negativamente a cabeça – Peça a ela para vir amanhã. 
- Com licença, diretora – Sophia chamou da porta, e o inspetor pareceu irritado com a intromissão – A mãe que está vindo é a dela. 
Arregalei os olhos ao vê-la me indicar com um aceno de cabeça, e olhei novamente para Thur, recebendo um olhar surpreso de volta. Pelo visto, ele não sabia muito mais do que eu, e isso me confortava de certa forma. 
- A sra. Messi? – Maggie perguntou, e logo após ver Sophia assentir, ela dirigiu seu olhar para mim – Ela sabe de tudo isso? 
- Ela sabe a verdade – corrigi, encarando a diretora com firmeza – E 
tudo isso não é a verdade. 
- Ela não é a única – novamente Sophia disse, olhando com certa indignação para o inspetor que bloqueava a porta, e logo em seguida invadindo a sala com Amy em seu encalço – Eu e a srta. Houston também sabemos. 
Olhei para Sophia, em pânico, e a vi esboçar um sorriso satisfeito. Com toda a certeza do mundo, eu havia perdido algo. 
- Pois não, senhoritas – a diretora Scott assentiu após alguns segundos de hesitação, e dispensou o inspetor com um aceno de mão – Sou toda ouvidos. 
- Se incomoda em começar? – Sophia perguntou, virando seu rosto para Amy, assim como todos os outros presentes. Notando que era o centro das atenções, ela respirou fundo antes de falar. 
- Eu ouvi uma conversa entre os dois há alguns meses… Numa sala vazia – ela começou, parecendo tímida, porém bastante certa do que dizia – Eu saí da sala para ir à enfermaria tomar um comprimido para dor de cabeça, e assim que apareci no corredor, vi o professor Borges puxando Roberta pela mão para uma sala perto dos banheiros. Fiquei curiosa e me aproximei para ouvir a conversa deles por trás da porta, e só consegui escutar alguns pedaços. E bem… Eu ouvi claramente o professor Borges dizer que queria beijá-la. 
- Eu não admito que uma aluna faça uma acusação dessas sem poder provar! – Mica exclamou, exaltado, e a diretora ergueu uma mão, ordenando que ele se acalmasse. 
- Ninguém aqui tem provas concretas, professor – ela esclareceu, olhando para Amy em seguida – A senhorita tem certeza do que disse? 
- Absoluta – Amy confirmou, e só então eu me dei conta de que mal respirara desde que ela começara a falar. Se eu não estava enganada, aquele momento ocorrera no dia seguinte ao nosso primeiro beijo. Como fomos tão descuidados a ponto de permitir que alguém nos visse e ouvisse? 
Minha mente mergulhou em questionamentos, mas parte dela manteve-se atenta a tudo que acontecia à minha volta. A diretora assentiu, respirando fundo, e olhou para Sophia. 
- E a senhorita… O que tem a dizer? 
- Será que eu posso me sentar? – ela perguntou, fazendo uma caretinha, e eu quase ri da forma confiante através da qual ela lidava com a situação – A história é um pouco longa, e eu faço questão de ser bem detalhista. 
- Eu vou buscar duas cadeiras em alguma sala vazia – Thur se ofereceu, levantando-se antes mesmo que a diretora se pronunciasse, e todos se mantiveram quietos até que ele retornasse. 
- Muito obrigado, professor, o senhor é muito gentil – Sophia agradeceu enquanto ela e Amy se acomodavam, sorrindo para Thur e logo em seguida lançando um rápido olhar de desprezo para Mica – Agora eu posso contar tudo. Hm… Por onde começo? 
Quinze minutos se passaram, durante os quais a voz de Sophia fora praticamente soberana na sala. Apenas a diretora fazia algumas perguntas, que eram muito bem respondidas, enquanto o resto dos presentes, incluindo eu, ouvia em silêncio. Observei o rosto de Mica, já um pouco nervoso diante de todo o relato verídico e convincente de Sophia, e meu coração acelerou. Desviei os olhos para Thur, que olhava atentamente de Sophia para a diretora, e então olhei para Amy, cochilando sobre o próprio ombro. Típico. 
- Com licença, diretora Scott – o mesmo inspetor interrompeu, e todos nós o olhamos – A sra. Messi acabou de chegar. 
- Peça-a para entrar, por favor – Maggie pediu, e meu coração quase parou ao ver minha mãe entrando, poucos segundos depois, na pequena sala já tão cheia de gente. 
- Bom dia, diretora – ela sorriu, sem o menor sinal de nervosismo ou raiva, e logo em seguida olhou para Thur – Olá, querido. Como vai? 
- Bem, e a senhora? – ele disse imediatamente, sorrindo de maneira amigável, e ela assentiu, respondendo-o. 
Espera um pouco aí. 
O que diabos eu havia perdido afinal? Eu tinha ficado desacordada por algumas semanas? Desde quando minha mãe conhecia Thur? 
- Bom dia, sra. Messi – a diretora cumprimentou, alguns segundos depois, parecendo tão pega de surpresa com a simpatia entre os dois quanto eu e Mica, que mal conseguia disfarçar sua indignação – Por favor, sente-se. 
- Fique à vontade – Thur adiantou-se, ficando de pé e fazendo um gesto para que minha mãe ocupasse o seu lugar. 
- Muito obrigada – mamãe falou, obedecendo-o e dando um breve sorriso para mim enquanto Thur parava atrás de minha cadeira e apoiava suas mãos no encosto dela. Apenas pisquei, olhando para Sophia e vendo-a prender um sorrisinho. A voz da diretora me trouxe de volta à realidade, e eu me concentrei para guardar minhas dúvidas e prestar atenção nela. 
- Pois bem… A que devo sua presença? 
- Primeiramente, eu trouxe alguns bilhetes que encontrei no criado-mudo de minha filha – ela começou, mexendo em sua bolsa e retirando alguns pedaços de papel dobrado dela, logo depois colocando-os sobre a mesa - São bilhetes do professor Borges, pelo que pude perceber. E se a senhora ler qualquer um desses, terá como se certificar de que a caligrafia é dele. 
Encarei os bilhetes sobre a mesa, totalmente perplexa. Como minha mãe os havia descoberto? Tentando encontrar uma resposta racional, apenas observei a diretora abrir um deles e lê-lo em voz alta: 
Tenho uma surpresa pra você nesse fim de semana. Pode ir se preparando, vou te seqüestrar de sexta a domingo! Te amo. 

Eu ainda me lembrava desse. Ele havia me dado antes de irmos à casa de praia. Olhei rapidamente para Mica, e por um segundo o choque e o pânico percorreram seu rosto. 
- Isso não prova nada – ele protestou, sem se deixar abater pela súbita prova contra si – Quem garante que eu os escrevi, mesmo se a caligrafia for minha? Esses bilhetes podem ter sido forjados! E mesmo que eu os tivesse escrito, quem prova que foram para ela? 
A diretora não reagiu, apenas analisou os outros bilhetes em silêncio. Lancei um rápido olhar a Sophia, que piscou para mim, e senti uma ansiedade enorme me preencher. Tinha dedo dela naquilo, sem dúvida. 
- O senhor tem como confirmar que não são seus? – Maggie perguntou a Mica, imparcial, e ele simplesmente se manteve imóvel, sem a capacidade de responder – Então eles são até que possa provar o contrário. 
- Eu vim para colocar um ponto final nessa história – mamãe disse, objetiva e cordial – Todos já estamos muito bem informados sobre as várias versões dos fatos, e meu posicionamento quanto a elas é mais do que nítido. Portanto, agora a decisão está em suas mãos, Scott. Que medidas serão tomadas? 
- O colégio tem regras, sra. Messi – Maggie suspirou, recostando-se em sua cadeira – Diante dos fatos apresentados, preciso acatar à que melhor enquadrar os acontecimentos. 
- Que seja… Minha filha não será prejudicada, tenho certeza disso – minha mãe sorriu, como se agradecesse por uma xícara de chá, e todos na sala pareceram impressionados com a sutil, porém intensa persuasão em sua voz – A senhora é uma profissional muito prudente, saberá como punir as pessoas certas. 
- Concordo plenamente – Mica sorriu, sem se desfazer de sua pretensão apesar de praticamente encurralado, e mal completou sua frase, recebeu uma belíssima resposta de mamãe: 
- Quando eu disse 
pessoas certas, estava me referindo a você. 
- Por favor, sem ofensas – a diretora pediu, levando as pontas dos dedos às têmporas – Alguém mais tem algo a dizer? 
Ninguém se pronunciou, e após um suspiro, ela prosseguiu: 
- Bom, se não há mais nada a ser dito, peço a todos que se retirem. Ainda vou precisar de algumas informações e de alguns dias para analisá-las e tomar a decisão mais apropriada. Voltarei a entrar em contato em breve. Enquanto isso, uma coisa fica estabelecida: Aguiar, você está afastado do corpo docente por tempo indeterminado. 
- Por que só ele? – perguntei, franzindo a testa enquanto todos se levantavam. 
- O professor Borges pediu demissão antes de fazer suas acusações – a diretora esclareceu, e eu me senti burra por não ter deduzido aquilo - E quanto à senhorita… Considere-se dispensada das aulas hoje. Amanhã conversaremos mais. 
Todos assentimos, e nos retiramos da sala rapidamente. 
- A senhora foi brilhante! – Sophia sussurrou em êxtase assim que fechei a porta da diretoria atrás de mim, batendo palminhas para minha mãe, que sorria de leve para ela – Botou todo mundo no chinelo! 
- Minha filha não fez nada que possa ser julgado errado pelas regras da escola - a ouvi dizer, alto o bastante para que Mica e Maria, já a alguns passos de distância, também a escutassem – Estou com a consciência tranqüila. 
- Seja como for, ela é uma vadia – Mica cuspiu, encarando-a com raiva - Meus parabéns. 
- E você é um broxa que não deu conta dela e a obrigou a procurar quem desse – Thur sorriu cinicamente, sem conseguir se conter, e Sophia caiu no riso. Mica não respondeu, talvez para não se deixar tirar do sério, enquanto Maria tentava acalmá-lo e nos olhava com desprezo conforme os dois desciam as escadas. 

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