- Meu Deus… Minha filha é uma femme fatale e eu nem fazia idéia disso – ela murmurou, quando já parecia um pouco mais adaptada aos fatos, e me encarou com o olhar levemente perdido – Quer dizer… Dois de uma vez?
Baixei meu olhar, sentindo uma vergonha infinita, mas mamãe não me deu tempo suficiente para mergulhar nela.
- Se eu te disser que isso é algo fora do comum, vou ser honesta e mentirosa ao mesmo tempo – a ouvi continuar, e reergui meus olhos até os dela, agora um pouco mais focados – Não é todo dia que uma aluna conquista dois professores assim, mas traições inevitáveis acontecem todos os dias, assim como a Sophia te disse. Ela fez uma breve pausa, buscando as palavras, e eu me concentrei em não parar de respirar, por mais tensa que eu estivesse.
- Isso tudo que você me contou… É passado, certo? Você e o Thur estão juntos de verdade agora, e não há chance alguma de Mica retomar seu antigo posto? – ela perguntou, e eu confirmei sem hesitar – Ótimo. Você se meteu numa bela saia justa, mas pelo visto tomou a sua decisão e não pretende cometer o mesmo erro.
- De preferência, nunca mais – reforcei, realmente traumatizada, e mamãe esboçou um sorrisinho.
- Bom, eu não vou dar mais nenhum discurso filosófico por hoje, não estou conseguindo nem me lembrar do meu nome. Minha cabeça vai começar a doer daqui a pouco, e eu ainda tenho muito para digerir e concluir essa noite – ela disse, sem uma expressão muito bem definida – Só o que eu te digo é: se você esperava que eu te expulsasse de casa e arrancasse o seu rim pela boca… Infelizmente não foi dessa vez. Eu não estou te odiando nem com vergonha de você, só preciso formar uma opinião concreta sobre tudo isso… Está tudo bem, de verdade. Amanhã conversaremos de novo e eu vou saber exatamente o que te dizer, pode ser?
- C-claro – gaguejei, sentindo pela segunda vez um alívio imensurável me preencher devagar, e mamãe me deu um beijo na testa. Eu tinha uma certa noção de que ela era liberal e compreensiva, mas não tanto.
- Vou tomar um banho, começar a acomodar tudo isso na minha cabeça… A água quente vai me ajudar, tenho certeza – ela falou, levantando-se e indo até as escadas com um sorrisinho no rosto – Ah, sim, pode ligar pro Thur agora dizendo que está viva. E diga a ele que está intimado a vir jantar conosco nesse sábado. Vou preparar a melhor mousse de chocolate da história pra sobremesa.
Dei um risinho divertido, vendo-a subir os degraus, e fiquei paralisada por alguns segundos, completamente incrédula.
Eu tinha ouvido errado ou minha mãe acabara de dizer que ia fazer mousse de chocolate especialmente para Thur?
Talvez eu estivesse usando drogas sem saber disso. Eu já devia saber que o bebedouro da escola não era confiável.
Me mantive imóvel por mais um tempo, atordoada demais para me mover, e assim que fui capaz, peguei o telefone e disquei o número de Thur.
- Alô? – ele atendeu, no primeiro toque. Demorei algum tempo para finalmente abrir a boca.
- Eu… Eu tô viva – murmurei, sem saber exatamente o que pensar.
- Deu tudo certo? – o ouvi perguntar, eufórico, e eu assenti, esquecendo-me de que ele não me via.
- Sim… Pelo menos foi o que ela me disse – respondi, tropeçando um pouco nas sílabas – Ela até te… Convidou pra jantar no sábado.
- Pois diga a ela que eu estarei aí – ele comemorou, rindo de um jeito aliviado e divertido - Eu disse que ia ficar tudo bem, não disse?
Somente após ouvir o que ele havia dito, consegui sair de meu transe e me dar conta do que havia acontecido.
Tudo ficaria bem agora. Eu tinha o apoio de todos que realmente eram importantes para mim, e não precisava mais enganar ninguém.
Quanto a Mica? Bom… Ele ainda era um problema. Mas agora eu podia enfrentá-lo com toda a minha força, sem precisar desviá-la para nenhuma outra pendência.
Pela primeira vez desde que toda aquela confusão começara, eu me sentia verdadeiramente forte.
- É… Você disse mesmo – sorri, sentindo uma certa dose de ansiedade e segurança circulando em minhas veias – Está tudo bem.
Me sentei em minha carteira, abrindo meu caderno e tirando o estojo da mochila. Por uma razão que tinha nome, sobrenome e sede de vingança, eu estava alerta, apesar da noite mal dormida devido à tensão e ansiedade que ainda me atormentavam.
Sophia, já a par de todos os acontecimentos da noite anterior (ligações noturnas são um certo costume entre nós, ainda mais em situações como aquela), me pedia calma. Tudo vai dar certo, nós estamos do seu lado, ela dizia.
Ok. Pode até ser.
Mas ainda assim, meu estômago insistia em contorcer-se a cada dez segundos, lembrando-me do mau pressentimento que apitava como uma bomba-relógio no fundinho de minha mente há dois dias.
Onde foi parar aquela dose de segurança que estava bem aqui ontem?
Um grupo de garotas rindo um tanto escandalosamente entrou na classe, parcialmente vazia devido ao constante atraso da maioria dos alunos, e em alguns dias, dos próprios professores, que costumavam enrolar um pouco antes de finalmente iniciarem seu dia de trabalho. Fingi anotar algo em meu caderno, mas pude sentir os olhares delas ardendo sobre mim, cheios de maldade. Me concentrei em minha respiração, tentando me manter calma, mas bastou uma espiada de canto de olho para que um nó se formasse em minha garganta.
Maria Smithers não havia entrado na sala junto com suas melhores amigas, como ela fazia todos os dias… Sem exceção.
Não poderia haver nenhum tipo de irregularidade nisso, sendo que eu a havia visto no pátio antes de subir, certo? Talvez ela estivesse se amassando com algum parrudão do time de futebol e pretendendo matar a primeira aula… Pela primeira vez em toda a sua vida escolar.
É. Isso. Certo. Sem pânico. Não há o que temer.
- Roberta Messi? – o inspetor perguntou, colocando a cabeça para dentro da sala de aula, e eu pulei na cadeira, assustada ao ouvir meu nome.
- E-eu – respondi, erguendo discretamente a mão, e ele me encarou com a expressão indiferente.
- A diretora me pediu pra te chamar – ele disse, e imediatamente todas as amigas de Maria fincaram seus olhares em mim – Ela quer conversar com você na sala dela.
Prendi involuntariamente a respiração por alguns segundos, encarando o inspetor que começava a estranhar minha demora, e tudo que consegui fazer foi assentir, levantando-me e indo até a porta com a mente em branco. Talvez eu tivesse atingido um nível tão alto de tensão que boa parte de meus neurônios tivessem morrido fritos.
- Boa sorte, vadia – uma das garotas do grupinho maldoso murmurou quando passei por ela, me encarando como se eu fosse uma serial killer a caminho da injeção letal – Você vai precisar.
Franzi a testa, sem saber como reagir, e apenas continuei andando até o corredor, descendo as escadas rumo à diretoria. Minhas pernas tremiam e meu rosto estava congelado numa expressão vazia, mas meus músculos continuavam me levando até a sala na qual a diretora me esperava por algum motivo. Eu não era exatamente o tipo de pessoa masoquista, por mais que isso seja duvidoso de vez em quando, mas inexplicavelmente, eu sentia que meu corpo agora me guiava na direção do olho do furacão.
Parei à porta da diretoria, ainda num estado de hipnose. Encarei a maçaneta, sem coragem de tocá-la, mas algo fez com que minha mão fosse mecanicamente até ela e a girasse, abrindo a porta e revelando quatro pessoas dentro dela.
- Olá, senhorita Messi – a diretora Maggie Scott disse, indicando a única cadeira vazia em sua pequena sala com um gesto de cabeça – Sente-se, por favor. Receio que tenhamos alguns assuntos a esclarecer… E pelo que eu estou vendo, isso vai nos tomar um bom tempo.
Fixei meus olhos nela por alguns segundos, sentindo o mau pressentimento explodir dentro de meu peito, e logo desviei meu olhar do dela. Havia mais três olhares sobre mim, e cada um deles roubou minha atenção por um curto período de tempo, deixando-me zonza com as cargas emocionais tão divergentes que transmitiam.
Diante da mesa da diretora Scott, Arthur Aguiar, Micael Borges e Maria me fitavam, todos com enorme intensidade.
Porém, com intenções bem diferentes.
Baixei meu olhar, sentindo uma vergonha infinita, mas mamãe não me deu tempo suficiente para mergulhar nela.
- Se eu te disser que isso é algo fora do comum, vou ser honesta e mentirosa ao mesmo tempo – a ouvi continuar, e reergui meus olhos até os dela, agora um pouco mais focados – Não é todo dia que uma aluna conquista dois professores assim, mas traições inevitáveis acontecem todos os dias, assim como a Sophia te disse. Ela fez uma breve pausa, buscando as palavras, e eu me concentrei em não parar de respirar, por mais tensa que eu estivesse.
- Isso tudo que você me contou… É passado, certo? Você e o Thur estão juntos de verdade agora, e não há chance alguma de Mica retomar seu antigo posto? – ela perguntou, e eu confirmei sem hesitar – Ótimo. Você se meteu numa bela saia justa, mas pelo visto tomou a sua decisão e não pretende cometer o mesmo erro.
- De preferência, nunca mais – reforcei, realmente traumatizada, e mamãe esboçou um sorrisinho.
- Bom, eu não vou dar mais nenhum discurso filosófico por hoje, não estou conseguindo nem me lembrar do meu nome. Minha cabeça vai começar a doer daqui a pouco, e eu ainda tenho muito para digerir e concluir essa noite – ela disse, sem uma expressão muito bem definida – Só o que eu te digo é: se você esperava que eu te expulsasse de casa e arrancasse o seu rim pela boca… Infelizmente não foi dessa vez. Eu não estou te odiando nem com vergonha de você, só preciso formar uma opinião concreta sobre tudo isso… Está tudo bem, de verdade. Amanhã conversaremos de novo e eu vou saber exatamente o que te dizer, pode ser?
- C-claro – gaguejei, sentindo pela segunda vez um alívio imensurável me preencher devagar, e mamãe me deu um beijo na testa. Eu tinha uma certa noção de que ela era liberal e compreensiva, mas não tanto.
- Vou tomar um banho, começar a acomodar tudo isso na minha cabeça… A água quente vai me ajudar, tenho certeza – ela falou, levantando-se e indo até as escadas com um sorrisinho no rosto – Ah, sim, pode ligar pro Thur agora dizendo que está viva. E diga a ele que está intimado a vir jantar conosco nesse sábado. Vou preparar a melhor mousse de chocolate da história pra sobremesa.
Dei um risinho divertido, vendo-a subir os degraus, e fiquei paralisada por alguns segundos, completamente incrédula.
Eu tinha ouvido errado ou minha mãe acabara de dizer que ia fazer mousse de chocolate especialmente para Thur?
Talvez eu estivesse usando drogas sem saber disso. Eu já devia saber que o bebedouro da escola não era confiável.
Me mantive imóvel por mais um tempo, atordoada demais para me mover, e assim que fui capaz, peguei o telefone e disquei o número de Thur.
- Alô? – ele atendeu, no primeiro toque. Demorei algum tempo para finalmente abrir a boca.
- Eu… Eu tô viva – murmurei, sem saber exatamente o que pensar.
- Deu tudo certo? – o ouvi perguntar, eufórico, e eu assenti, esquecendo-me de que ele não me via.
- Sim… Pelo menos foi o que ela me disse – respondi, tropeçando um pouco nas sílabas – Ela até te… Convidou pra jantar no sábado.
- Pois diga a ela que eu estarei aí – ele comemorou, rindo de um jeito aliviado e divertido - Eu disse que ia ficar tudo bem, não disse?
Somente após ouvir o que ele havia dito, consegui sair de meu transe e me dar conta do que havia acontecido.
Tudo ficaria bem agora. Eu tinha o apoio de todos que realmente eram importantes para mim, e não precisava mais enganar ninguém.
Quanto a Mica? Bom… Ele ainda era um problema. Mas agora eu podia enfrentá-lo com toda a minha força, sem precisar desviá-la para nenhuma outra pendência.
Pela primeira vez desde que toda aquela confusão começara, eu me sentia verdadeiramente forte.
- É… Você disse mesmo – sorri, sentindo uma certa dose de ansiedade e segurança circulando em minhas veias – Está tudo bem.
Me sentei em minha carteira, abrindo meu caderno e tirando o estojo da mochila. Por uma razão que tinha nome, sobrenome e sede de vingança, eu estava alerta, apesar da noite mal dormida devido à tensão e ansiedade que ainda me atormentavam.
Sophia, já a par de todos os acontecimentos da noite anterior (ligações noturnas são um certo costume entre nós, ainda mais em situações como aquela), me pedia calma. Tudo vai dar certo, nós estamos do seu lado, ela dizia.
Ok. Pode até ser.
Mas ainda assim, meu estômago insistia em contorcer-se a cada dez segundos, lembrando-me do mau pressentimento que apitava como uma bomba-relógio no fundinho de minha mente há dois dias.
Onde foi parar aquela dose de segurança que estava bem aqui ontem?
Um grupo de garotas rindo um tanto escandalosamente entrou na classe, parcialmente vazia devido ao constante atraso da maioria dos alunos, e em alguns dias, dos próprios professores, que costumavam enrolar um pouco antes de finalmente iniciarem seu dia de trabalho. Fingi anotar algo em meu caderno, mas pude sentir os olhares delas ardendo sobre mim, cheios de maldade. Me concentrei em minha respiração, tentando me manter calma, mas bastou uma espiada de canto de olho para que um nó se formasse em minha garganta.
Maria Smithers não havia entrado na sala junto com suas melhores amigas, como ela fazia todos os dias… Sem exceção.
Não poderia haver nenhum tipo de irregularidade nisso, sendo que eu a havia visto no pátio antes de subir, certo? Talvez ela estivesse se amassando com algum parrudão do time de futebol e pretendendo matar a primeira aula… Pela primeira vez em toda a sua vida escolar.
É. Isso. Certo. Sem pânico. Não há o que temer.
- Roberta Messi? – o inspetor perguntou, colocando a cabeça para dentro da sala de aula, e eu pulei na cadeira, assustada ao ouvir meu nome.
- E-eu – respondi, erguendo discretamente a mão, e ele me encarou com a expressão indiferente.
- A diretora me pediu pra te chamar – ele disse, e imediatamente todas as amigas de Maria fincaram seus olhares em mim – Ela quer conversar com você na sala dela.
Prendi involuntariamente a respiração por alguns segundos, encarando o inspetor que começava a estranhar minha demora, e tudo que consegui fazer foi assentir, levantando-me e indo até a porta com a mente em branco. Talvez eu tivesse atingido um nível tão alto de tensão que boa parte de meus neurônios tivessem morrido fritos.
- Boa sorte, vadia – uma das garotas do grupinho maldoso murmurou quando passei por ela, me encarando como se eu fosse uma serial killer a caminho da injeção letal – Você vai precisar.
Franzi a testa, sem saber como reagir, e apenas continuei andando até o corredor, descendo as escadas rumo à diretoria. Minhas pernas tremiam e meu rosto estava congelado numa expressão vazia, mas meus músculos continuavam me levando até a sala na qual a diretora me esperava por algum motivo. Eu não era exatamente o tipo de pessoa masoquista, por mais que isso seja duvidoso de vez em quando, mas inexplicavelmente, eu sentia que meu corpo agora me guiava na direção do olho do furacão.
Parei à porta da diretoria, ainda num estado de hipnose. Encarei a maçaneta, sem coragem de tocá-la, mas algo fez com que minha mão fosse mecanicamente até ela e a girasse, abrindo a porta e revelando quatro pessoas dentro dela.
- Olá, senhorita Messi – a diretora Maggie Scott disse, indicando a única cadeira vazia em sua pequena sala com um gesto de cabeça – Sente-se, por favor. Receio que tenhamos alguns assuntos a esclarecer… E pelo que eu estou vendo, isso vai nos tomar um bom tempo.
Fixei meus olhos nela por alguns segundos, sentindo o mau pressentimento explodir dentro de meu peito, e logo desviei meu olhar do dela. Havia mais três olhares sobre mim, e cada um deles roubou minha atenção por um curto período de tempo, deixando-me zonza com as cargas emocionais tão divergentes que transmitiam.
Diante da mesa da diretora Scott, Arthur Aguiar, Micael Borges e Maria me fitavam, todos com enorme intensidade.
Porém, com intenções bem diferentes.
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