sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

WEB LuAr - Capítulo 31 / Parte final :

De repente, eu só conhecia essas quatro palavras. Num piscar de olhos, eu só sabia pensar nessas quatro simples, e ao mesmo tempo, tão complexas palavras. Num segundo, meu vocabulário se resumiu a meras quatro palavras, que mudariam minha vida por completo. Alguns segundos de pane se passaram, sem que eu conseguisse mover um músculo ou pensar em qualquer outra coisa a não ser naquelas quatro palavras. E quando elas finalmente começaram a fazer sentido, foi como se tivessem golpeado fatalmente meu coração com uma estaca. 
Mica tinha uma noiva. 
Mica tinha uma noiva chamada Alice. 
Mica tinha uma noiva chamada Alice e provavelmente se casaria com ela. 
Mica tinha uma noiva chamada Alice e provavelmente se casaria com ela sem nem ao menos me contar. 
Quem era Mica afinal? Que tipo de monstro ele era? Ele realmente me amava como fazia parecer? 
Meu Deus do céu…
 
A quem eu havia confiado meu coração durante todo aquele tempo? 
Lágrimas embaçaram minha visão por completo em questão de segundos quando me vi diante de todas aquelas afirmações e dúvidas. Levei as mãos à boca para abafar um grito de horror que parecia ter entalado no enorme nó de minha garganta, e sem que eu sequer notasse, meu rosto foi lavado pelo oceano salgado que escapava por meus olhos. Grossas e pesadas gotas de minha dor líquida misturavam-se silenciosamente ao fluxo de água que já corria por minhas bochechas, enquanto eu aos poucos compreendia o que havia acabado de descobrir. 
Enquanto eu o considerava minha prioridade… Para Mica, eu
 
sempre fui e sempre seria a outra. 
- Desculpa ter aparecido assim do nada, mas é que eu realmente tô desesperado – a voz de Mica voltou a falar, após o que me pareceram longos minutos de silêncio, mas que na verdade só haviam sido mudos em minha percepção – A gente se fala mais amanhã, e por favor, pensa em alguma coisa que possa me ajudar, eu imploro! 
- Pode deixar, cara, e vê se fica calmo – Thur disse num tom convincentemente tranqüilo, provavelmente após uma boa desculpa para dispensar o amigo – Amanhã eu falo contigo. 
Os passos de Mica ficaram cada vez mais distantes, até que a porta se fechou e eu ouvi a chave girar na fechadura. Meus olhos encharcados ainda mantinham-se fixos no mesmo banco, arregalados e vazios, e as lágrimas ainda escorriam por eles sem controle, quando Thur preencheu o espaço antes vazio de minha visão periférica. Mesmo sem olhá-lo, pude perceber seu susto e hesitação ao me ver naquele estado de choque, e sua voz não demorou a me chamar num tom preocupado. 
- Roberta? 
Levei alguns segundos para conseguir reagir, e quando finalmente o torpor parecia estar se esvaindo lentamente de meu corpo, fui capaz de desviar meu olhar estarrecido até o dele. E bastou que os olhos de Thur entrassem em foco para que eu simplesmente desabasse. 
- Roberta, o que aconteceu? – ele perguntou, assustado, chegando até mim em passos largos e agachando-se à minha frente. Ele tomou minhas mãos fracas nas suas, enquanto eu apenas deixava o choro escapar por meus olhos e os soluços que eu até então prendia fugirem por minha garganta. A dor era tão intensa e se alastrava tão rapidamente por meu corpo que este se contraiu por inteiro, tentando lutar contra aquele sentimento pavoroso que o dominava. Senti os braços de Thur me envolverem, puxando-me para mais perto de si, porém eu não fui capaz de retribuir seu abraço; sua voz sussurrava palavras que soaram ininteligíveis aos meus ouvidos, e eu simplesmente não conseguia encontrar minha voz para respondê-lo. Por um tempo que fui incapaz de calcular, permaneci inerte, sem sequer me preocupar com fatores básicos como respirar. As lágrimas continuavam a cair, mas todo o resto parecia estar retesado, imobilizado. 
- Por favor, me responde – Thur pediu baixinho, aflito, e afastou-se de mim para poder examinar meu rosto lavado de lágrimas. Seus olhos demonstravam todo o pânico e dor que meu estado lhe transmitia, e a tortura neles doeu em mim. 
- Thur… – murmurei apenas, agarrando seu jaleco, puxando-o para perto de mim novamente e afundando-me em seu abraço. 
- Eu estou aqui, está tudo bem – ele sussurrou, apertando-me com força contra si – Ele já foi embora, não desconfiou de nada… 
Um soluço dolorido escapou por entre meus lábios e meus olhos se fecharam fortemente à menção de Mica, assim como meu corpo se encolheu subitamente. Obviamente, Thur percebeu minha reação, e após alguns segundos em silêncio, finalmente deduziu o motivo de meu comportamento destruído. 
- Você não sabia sobre a Alice. 
Senti o choro intensificar-se, e balancei negativamente minha cabeça sobre seu ombro. Thur levou alguns segundos para voltar a falar, completamente desnorteado diante de sua descoberta. 
- Meu Deus… – ele murmurou, chocado, e eu apertei ainda mais meus braços ao redor de seu pescoço, sentindo-o puxar-me para seu colo – Ele nunca te contou? 
Repeti meu gesto com a cabeça, deixando que minhas lágrimas inundassem o tecido de seu jaleco, e novamente ficamos em silêncio por alguns segundos, sem saber o que falar. 
- Por que você nunca me contou? – perguntei baixinho, reunindo o pouco de oxigênio que existia em meus pulmões, porém sem agressividade ou mágoa. Não era obrigação dele me dizer nada a respeito do noivado de Mica. 
- Eu sempre achei que ele tivesse te contado – ele respondeu, com a voz nitidamente desorientada – E que você tivesse aceitado ser sua amante. 
Levei alguns segundos para me recuperar do emprego da palavra
 
amante para me definir, e respirei fundo antes de continuar. 
- Não… Ele nunca me disse nada. 
- Me desculpa, Roberta – ele pediu, afastando-se novamente de mim para poder me olhar, e suas mãos seguraram gentilmente meu rosto, erguendo-o até o dele – Eu não sabia que ele estava te enganando desse jeito. Eu devia ter te contado, eu já devia saber que você não aceitaria uma condição dessas… Nossa, aquele filho da puta vai sofrer na minha mão, você vai ver, eu não vou deixar as coisas ficarem assim, mas não mesmo… 
- Pelo amor de Deus, Thur, você não vai fazer nada – o interrompi, assustada ao ver a fúria crescer nos olhos dele – Não vamos nos precipitar. 
- Ele não pode sair ileso, Roberta, eu não vou permitir uma coisa dessas! – Thur exclamou, franzindo a testa com a expressão nitidamente enraivecida – Olha o que ele fez com você! Ele mentiu desde o começo! 
- Eu vou terminar tudo com ele amanhã mesmo – solucei, sentindo a surpresa lentamente ceder cada vez mais lugar à dor e à revolta dentro de mim – Você não vai precisar sujar suas mãos por minhas causa. 
- Eu não sei se tenho todo esse sangue frio – ele respirou fundo, com os olhos coléricos disfarçados sob uma fina camada de autocontrole, e logo em seguida os fechou – Me dá nojo só de te imaginar perto dele outra vez. 
- Ninguém quer mais distância dele do que eu, acredite – falei, cobrindo meu rosto com as mãos ao sentir o choro voltar a se intensificar – Mas eu não posso simplesmente fingir que ele não existe mais… Não sem antes desfazer nosso compromisso. 
Thur não disse nada por alguns segundos, apertando seu abraço em minha cintura e beijando a curva de meu pescoço. Fechei meus olhos com força, tentando conter minhas lágrimas, e pude ouvi-lo sussurrar determinadamente contra minha pele: 
– Ele vai ter o que merece… Pode apostar. 
- Eu quero ir pra casa – foi tudo que consegui murmurar, sentindo meu choro se intensificar novamente, e precisando apenas do meu quarto e de meu recanto de paz particular. Eu já estava sofrendo o suficiente, não queria fazê-lo sofrer comigo, muito menos desperdiçar seu tempo chorando em seu ombro. 
- Eu te levo – ele se prontificou, levantando-se comigo em seu colo agilmente – Não vou te deixar ir a pé sozinha nesse estado. 
- Não… As pessoas vão nos ver – soprei, com o rosto na curva de seu pescoço, já sentindo meu peito doer de tanto chorar. 
- Foda-se – ele disse tremulamente, passando por sua mesa para pegar sua mochila, e num segundo estávamos a dois passos da porta do laboratório. 
- Me põe no chão pelo menos – relutei, afastando meu rosto de seu pescoço com um fungado baixo – Eu estou bem, de verdade. 
Thur atendeu ao meu pedido após alguns segundos de ponderação, colocando-me de pé com cuidado, porém manteve suas mãos em meus cotovelos, apoiando-me caso eu tivesse uma tontura. 
- É claro que você não está bem, tem certeza de que quer andar? – ele perguntou, escorregando uma de suas mãos até encontrar a minha, e eu assenti devagar – Podemos fingir que você torceu o tornozelo ou algo do tipo e eu te carrego até o carro. 
Não consegui responder, sentindo seu amparo me reconfortar minimamente; se não estivesse tão destruída por dentro, o teria agradecido, porém tudo que consegui fazer foi negar sua proposta com um leve aceno de cabeça, fazendo uma lágrima escorrer pelo canto de meu olho. Thur me olhou com profunda preocupação, e segurou gentilmente meu rosto com uma de suas mãos, levando seus lábios até a gota salgada e enxugando-a rapidamente. Não foi preciso dizer nada; eu sabia que ele estava comigo, e seus olhos já me diziam que ele me amava de uma maneira muito mais intensa e verdadeira que palavras seriam capazes de expressar. 
Ele destrancou a porta do laboratório, entrelaçando nossos dedos e apertando-os com firmeza, e eu respirei fundo antes de sair, enxugando meu rosto com a mão livre e me concentrando para conter o fluxo de lágrimas por alguns minutos, o que me parecia absurdamente impossível. Thur me deu passagem para sair primeiro, após uma breve olhada no corredor vazio, e eu, temendo desmontar sobre minhas pernas trêmulas, deixei o laboratório, olhando para meus próprios pés enquanto ele trancava a sala da qual havíamos acabado de sair. Conforme o barulho das chaves colidindo no molho ecoava pelo corredor, tive a impressão de que o ruído estava sendo acompanhado por outro som vindo dos degraus, que meus ouvidos não tiveram rapidez suficiente para reconhecer a tempo. 
Porém, quando eu finalmente entendi o que ele significava, já era tarde demais. 
Minha cabeça rapidamente virou-se na direção do som de sapatos se chocando contra os degraus, assim como a de Thur, e uma fração de segundo depois, um par de olhos pretos retribuiu nossos olhares assustados. Com o mesmo choque com o qual o encarávamos. 
Foi como se o chão tivesse simplesmente sumido em um piscar de olhos. 
Bem à nossa frente, a cinco passos de distância, Mica nos encarava com a expressão surpresa. 

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