sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

WEB LuAr - Capítulo 31 / Parte 1 :


Capítulo 31



- 
O quê? 
- É isso mesmo. 
- O que exatamente eu perdi, alguém pode me explicar? 
Starbucks, eu, Sophia, Chay e uma verdade bombástica depois da aula de segunda-feira. Eu sabia que esse momento chegaria. 
- É… Digamos que você esteve ausente durante algumas reviravoltas – respondi a Chay, coçando a nuca meio sem jeito – Pensei que a Sophia já tinha te contado. 
- Não, eu não estou sabendo de nada – ele negou, boquiaberto, e ambos olhamos para Sophia, cujo queixo sumia de vista sob a mesa e olhos me fitavam com infinito choque – Amor? 
- Caralho, Roberta – ela xingou, após alguns segundos paralisada, e Chay soltou um suspiro de alívio diante do sinal de vida dela – Puta que pariu! 
- É, eu sei – respirei fundo, tomando um gole de meu cappuccino. Eu precisaria de muita cafeína para agüentar o tranco. 
- Alguém pode me inteirar do assunto, por favor? – Chay reclamou, totalmente confuso, e vendo que Sophia voltara a ficar imóvel, me manifestei. 
- Como você já deve saber, eu e Mica estamos namorando – comecei, vendo-o assentir – Acontece que há algum tempo, Thur e eu acabamos nos envolvendo também, e as coisas aconteceram tão rápido entre nós que acabamos nos apaixonando. Eu sei que isso soa ridículo, mas não é, acredite. Pelo contrário, é a mais pura verdade. E… É tão verdadeiro que eu estou cogitando a possibilidade de terminar tudo com Mica pra ficar com ele. 
- 
O quê?  Sophia repetiu, um pouco mais alto que antes, e eu fiz uma careta medrosa, enquanto Chay segurava sua mão e a olhava com preocupação. 
- Meu Deus do céu – ele disse, olhando-me com extremo espanto – Você deixa essas coisas acontecerem na sua vida justo quando eu não estou? Vou levar isso como uma ofensa! 
- Não fale como se as coisas não acontecessem na minha vida quando você estava por perto também – resmunguei, vendo-o erguer as sobrancelhas, concordando – Não se esqueça que meu primeiro beijo foi no armário do quarto da sua avó com um garoto que eu mal conhecia, e você estava do outro lado da porta ouvindo tudo. 
- Eu nunca vou me esquecer do Eric dizendo 
Não precisa usar os dentes, Roberta, sua língua já é o suficiente naquele tom tão assustado – ele suspirou, como se aquela fosse uma belíssima lembrança – Até hoje eu te imagino querendo morder o pobre garoto feito uma barracuda. Coitadinho, ele era um bom rapaz. 
- Cala a boca, garoto que peidou e espirrou no meio da encenação de Hamlet – mostrei a língua, prendendo o riso e vendo-o retribuir meu gesto de carinho – 
Ser ou não ser, eis a questão foi seu trauma durante anos, e você nunca sabia se explicava a versão verdadeira ou se simplesmente deixava as pessoas pensarem que você tinha dúvidas quanto a sua orientação sexual quando te perguntavam por que você odiava tanto Shakespeare. As duas hipóteses lhe pareciam igualmente constrangedoras. 
- Caralho, Roberta – Sophia voltou a dizer, da mesma maneira de antes, e eu simplesmente a ignorei, assim como Chay; éramos melhores amigos há eras, sabíamos muito bem que ela ainda repetiria as mesmas palavras por um tempo, até finalmente absorver a notícia – Puta que pariu! 
- Você confia nele? – Chay perguntou, voltando ao assunto e dando uma mordida em seu muffin de chocolate; eu assenti sem hesitar – Tem certeza de que ele te ama? 
- Acho que nunca tive tanta certeza de alguma coisa quanto eu tenho disso – respondi, disfarçando um sorriso idiota – É tão nítido que chega a me assustar. 
- Bom… Você sabe que eu também te amo – ele falou, após alguns segundos de reflexão, e eu deixei o sorriso idiota surgir – Não é novidade que eu vou achar defeitos em qualquer cara que se aproximar de você, e vou continuar sentindo ciúmes por ele ter conquistado a pessoa mais foda do universo… Mas enquanto você o achar digno o suficiente para merecer estar ao seu lado, eu vou dar a maior força. 
- Awn, Chay! – gemi, emocionada com suas palavras, e dei a volta na mesa, indo até ele e abraçando-o bem apertado – Eu é que tenho muita sorte de ter um amigo como você! - Isso, agora diz que eu sou gostoso – ele piscou, fazendo-me rir e beijar seu rosto. 
- Gostoso, tesão! – falei, mandando-lhe um beijo sedutor e vendo-o passar a língua sensualmente pelos lábios. 
- Eu posso estar em choque, mas ainda estou aqui – Sophia disse, virando o rosto lentamente para o namorado, que abandonou sua postura pornográfica na mesma hora – 
E estou ouvindo. 
- Calma, amor – ele falou, como se estivesse conversando com uma criancinha – Quer que eu te seduza também? 
- Mais tarde – ela cerrou os olhos, fazendo um beicinho falsamente triste surgir nos lábios de Chay – Eu preciso resolver umas pendências agora, e não quero distrações. 
- Tá bom, pode deixar, vou ficar bem quietinho – ele assentiu, feito um cachorrinho, recebendo um selinho de agradecimento da namorada e fazendo-me rir baixinho. Sophia suspirou e virou-se para mim, dando um belo gole em seu mokaccino e entrelaçando os próprios dedos sobre a mesa logo em seguida. 
- Você sabe que eu fui a primeira pessoa a saber sobre você e o Thur, e provavelmente a única até poucos minutos atrás – ela começou, olhando-me com seriedade, porém sem parecer furiosa ou ameaçadora – Eu sou a pessoa que te conhece talvez até melhor que a sua mãe, e quase sempre até melhor que você mesma. E eu nunca, nunca, nem quando te disse que já sabia que você sempre se envolvia com os caras errados, imaginei te ouvir dizendo isso. 
- Nem eu, Sophia, acredite – falei, apreensiva – Você sabe muito bem o quanto eu o odiava. 
- Foi exatamente por saber disso que eu me assustei – ela assentiu, compreensiva – E… Bem, não há muito que eu possa dizer. O Chay já disse tudo. Eu só quero que você pense muito bem antes de escolher um dos dois… Você pode se arrepender muito se tomar a decisão errada, e eu não quero que você sofra. 
- Ela tem razão, Roberta – Chay concordou, sério – Não aja por impulso, é a pior coisa que você pode fazer. 
- Já faz quase um mês que eu comecei a me envolver com Thur – suspirei, buscando qualquer tipo de falha em minha linha de raciocínio – E desde a primeira vez em que o beijei, esse pensamento assombra a minha mente. No começo foi puro impulso, eu confesso… Mas agora… É muito mais intenso. É tão forte que eu já não consigo mais pensar em Mica da mesma forma. Eu continuo vendo-o como a pessoa maravilhosa que ele é, mas já não sinto todo aquele amor que sentia antes… É quase como se eu o quisesse como um amigo. 
Chay e Sophia suspiraram ao mesmo tempo, inseguros quanto à minha atmosfera de certeza, e entreolharam-se, finalmente rendendo-se diante de minha convicção. 
- Você sabe que pode contar com a gente, não sabe? – Sophia sorriu fraco, ainda um pouco temerosa por minha decisão – Nós só queremos o seu bem, e se você acha que ele te fará feliz… O que nós podemos fazer a não ser te apoiar? 
- Ele já me faz feliz, Sophia – murmurei com um sorriso carinhoso, segurando sua mão por sobre a mesa – Mas não se preocupe, eu ainda vou pensar com bastante cuidado antes de tomar qualquer atitude. Obrigada por se preocuparem comigo, vocês são demais. 
- Faça o que o seu coração manda – Chay disse, unindo sua mão às nossas, e logo em seguida fez uma careta – Meu Deus, como sou gay de vez em quando. 
- Você que não ouse virar gay – Sophia resmungou, prendendo o riso e olhando-o ameaçadoramente – Corto seu brinquedinho fora e te faço ser passivo pro resto da vida. 
- Ah, até que deve ser legal dar, né? – ele pensou alto, com um sorrisinho esperançoso no rosto e o olhar vago – Como deve ser a sensação? 
- Cala a boca, Chay! – eu e Sophia exclamamos, incomodadas com a imagem que surgiu em nossas mentes, e ele caiu na gargalhada, assim como nós duas. Logo uma mini guerra de muffins começou, o que nos rendeu olhares de censura das outras pessoas presentes, porém nada com o qual já não estivéssemos acostumados. 
Alguma dúvida de que eu tinha os melhores amigos do mundo? 

- Acho tão sexy te ver tirando essas luvas, sabia? 
Cruzei minhas pernas sobre o banco do laboratório vazio de biologia no qual estava sentada, observando Thur se desfazer de suas luvas plásticas distraidamente. Um sorriso esguio surgiu em seus lábios sedutores, e seus olhos logo se ergueram de suas mãos para minhas íris luxuriosas. 
- Seria ainda mais sexy te ver tirando essas luvas pra mim – ele provocou, fazendo-me erguer uma sobrancelha em tom de desafio – Com os dentes. 
- Meu hálito de tripa de lula seria tão excitante depois de um fetiche desses! – ironizei, vendo-o gargalhar diante de minha observação inteligente – Mas se forem luvas limpas, eu topo. 
- Vou trazer luvas extras de hoje em diante – ele riu, balançando negativamente a cabeça enquanto se dirigia ao cesto de lixo para jogar as luvas fora e logo em seguida tirando o jaleco. 
- Ei, eu queria fazer isso! – briguei, fazendo biquinho ao vê-lo colocar a peça branca sobre sua mesa – Põe de novo! 
- Você não se cansa de tirar meu jaleco não? – ele perguntou, com um sorriso intrigado enquanto voltava a vestir seu avental – Qual é a graça disso? 
- E qual é a graça 
disso? – rebati, ficando de pé e indicando meu corpo com minhas mãos – Juro que não te entendo. 
- Eu vejo muita graça nisso, se você quer saber – Thur murmurou, observando-me de cima a baixo de um jeito nada discreto e fixando seus olhos extremamente castanhos nos meus ao terminar sua análise – Ainda mais quando você fica toda arrepiada com os meus olhares que nem agora. 
Senti meu rosto esquentar e corar depressa, e fechei os olhos ao ser desmascarada. Como ele sabia que tinha conseguido me arrepiar? 
- Agora eu fiquei sem graça – suspirei, cruzando os braços e encarando meus tênis com um biquinho birrento – Odeio você. 
- Me odeia tanto que tá toda vermelha – ele sorriu, esperto, indo até mim e erguendo meu rosto com o indicador em meu queixo – Essa vergonha toda some assim que eu tirar essa sua roupa, aposto. Assim como a minha sanidade, é claro. 
- Thur! – o repreendi, vendo cerrar os olhos de um jeito provocante – Só você enxerga essa deusa do sexo que eu supostamente sou. Isso é problema mental, sabia? 
- Você diz isso porque nunca viu quantos caras ficam secando seu pescoço quando seu cabelo tá preso na aula – ele resmungou, adotando uma expressão um tanto ranzinza apesar do bom humor ainda presente e postando suas mãos em meus quadris – Parecem um bando de vampiros sedentos, juro. Morro de vontade de enfiar bisturis nos olhos de todos eles, e isso inclui o terceiro olho também. 
- Cala a boca, Aguiar – revirei os olhos, descrente – Isso tudo é fruto da sua imaginação, tenho certeza. 
- Ah, tá – ele assentiu, sarcástico, e aproximou seus lábios de meu pescoço, depositando um selinho gostoso no local – E deixar umas boas marcas aqui também é fruto da imaginação deles, posso te garantir. 
- Você fala como se algum dia eles fossem realmente conseguir isso – sorri, envolvendo seu pescoço com meus braços e sentindo-o abraçar minha cintura e sentar-me sobre o balcão – Como se algum dia eles fossem capazes de desbancar você. 
- Não estou convencido – ele murmurou, dando uma leve mordidinha em meu pescoço e fazendo-me encolher o corpo de leve – Na verdade, nunca vou estar. 
- Além de possessivo, você é ciumento? – perguntei, já um pouco bêbada em meio a todo aquele perfume masculino que emanava de sua pele – O que mais eu preciso descobrir sobre você? 
- Que eu não meço esforços para defender minhas prioridades – Thur sorriu, fazendo com que seu hálito quente batesse em minha pele e acelerasse meus batimentos cardíacos – Ou seja, é melhor mesmo que eles fiquem bem longe de você. 
- Se eu não gostasse tanto de te ver nu, acho que seria capaz de dispensar atividades físicas entre nós só pra te ouvir falar mais dessas coisas no meu ouvido – suspirei, completamente mole em seus braços, e apertei meus dedos em seus cabelos. 
- A gente podia experimentar isso qualquer dia desses – ele disse, afastando seu rosto de meu pescoço e olhando-me bem de perto – Tipo um teste de nervos, pra ver quem agüenta mais tempo. 
- Acho que eu perderia de primeira – confessei, sem fôlego. Eu não me importava em deixar meu orgulho de lado em certos assuntos quando estava com ele. 
- Você que pensa – Thur ergueu uma sobrancelha, com um sorriso divertido – Meu autocontrole fica um pouco frágil com a sua boca perto do meu ouvido, você sabe disso. 
- Que tal você parar de usar esse tom de voz e me beijar de uma vez? – pedi, com a visão um pouco turva apenas por ouvir suas palavras e o timbre sedutor com o qual ele as pronunciava – A não ser que você esteja disposto a me segurar caso eu desmaie. 
- Você inconsciente de novo não, por favor – ele riu, e eu logo me lembrei de quando apaguei em seu carro após a festa de Maria – Me lembrar daquela noite é torturante demais. 
- Bom, eu não me lembro daquela noite, e prefiro não pensar nisso – balancei negativamente a cabeça, erguendo as sobrancelhas temerosamente – Ficar desacordada não é algo que me agrade, ainda mais com você por perto. 
- Eu não fiz nada naquela noite, a não ser ficar preocupado com você – Thur resmungou, com um tom sério e manhoso ao mesmo tempo. Aquele assunto parecia ferir sua moral, e não era difícil compreender por quê. 
- Eu sei, eu sei – sorri, apertando suas bochechas e vendo-o fechar a cara – Mas da próxima vez é pra fazer! 
Thur jogou a cabeça pra trás, rindo de meu pedido absurdo, e ri junto, até que ele, ainda sorrindo, uniu seus lábios aos meus, iniciando um beijo carinhoso e intenso. Ri baixinho quando ele apertou meus glúteos e me puxou para mais perto de si, e dei uma mordidinha em seu lábio inferior, ouvindo sua respiração tornar-se gradativamente pesada conforme o beijo e as carícias se aprofundavam. 
Até que uma batida na porta trancada do laboratório nos interrompeu. 
Ambos arregalamos os olhos ao ouvir o som, e levamos alguns segundos para conseguir pensar no que fazer. Quem era o idiota que estava querendo entrar no laboratório vinte minutos após o término das aulas da manhã? Ninguém nunca ia até ali àquele horário. 
- Se esconde – li seus lábios pedirem, e pus-me de pé num segundo, sentindo meu corpo inteiro tremer de medo. Corri até a bancada mais distante da porta e me escondi atrás dela, sentada no chão e abraçada às minhas pernas. Meu coração estava a mil dentro do peito, e eu tentava normalizar minha respiração ofegante à medida que ouvia os passos de Thur distanciarem-se até chegarem à porta. Se alguém me visse ali, nós dois estaríamos muito ferrados. Como explicar minha presença no laboratório, trancada com Thur? 
- Mica? – ouvi a voz de Thur dizer, um tanto trêmula, e foi então que meu coração parou. 
Mica. 
Minha pressão baixou instantaneamente assim que ouvi Thur pronunciar seu nome, e foi ainda mais difícil não desmaiar ao ouvir sua voz ecoar pelas paredes. 
- Cara, ainda bem que você não foi embora! – Mica suspirou, com desespero e alívio na voz, e pude ouvir seus passos adentrando o laboratório – Eu preciso muito da sua ajuda. 
- O que aconteceu? – Thur perguntou, já com um pouco mais de firmeza. Diferentemente de mim, que mal conseguia respirar, tamanho era o meu nervosismo. 
- Eu estou numa encrenca enorme – Mica disse, e eu apenas me mantive imóvel, ouvindo-o com toda a minha atenção – A Alice quer vir morar comigo! 
Deixei meus olhos fixos no pé de um dos bancos próximos a mim, sentindo uma pontada forte em meu peito. 
Quem era Alice? 
- A Alice? – Thur repetiu, surpreso – Como assim, morar com você? Ela não estava trabalhando em Leeds? 
- Estava, mas eu fui visitá-la esse final de semana e ela disse que não agüenta mais viver sozinha naquela maldita cidade, que sente minha falta e todas essas idiotices de mulher – Mica bufou, parecendo muito irritado, e surrealmente diferente do Mica que eu conhecia – Ou seja, eu estou completamente ferrado, porque se ela vier morar comigo, provavelmente vou ter que casar! Quer dizer, enrolar uma mulher por três anos com um noivado à distância não é nada bom quando o pai dela é um militar aposentado que tem quase uma ogiva nuclear no quintal de casa! E se eu me casar com a Alice, como vou fazer pra ficar com a Roberta? Pior ainda, como vou esconder meu casamento dela? 
Alguns segundos de silêncio se seguiram às palavras de Mica, porém eu não consegui mais ouvir quando a voz de Thur surgiu. Suas palavras eram apenas sussurros, ruídos em meus tímpanos, absurdamente distantes de mim. A voz de Mica, tão incomum à postura que ele costumava ter, ainda gritava em minha cabeça, fazendo tudo girar ao meu redor e o chão sumir sob meu corpo. 
Mica. 
Alice. 
Casar. 
Noivado.
 

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