- Vou ser bem sincera ao dizer que me sinto culpada pela sua demissão, e de certa forma eu sou mesmo – confessei, vendo-o fazer cara de tédio – Mas nós já sabíamos que isso aconteceria caso a diretora tomasse conhecimento da verdade.
- Roberta, ia ser bem bacana se você sorrisse e dissesse Parabéns, você está desempregado!, só pra variar – ele revirou os olhos, encurvando os ombros em desânimo e me fazendo rir baixo – Faz uma cara melhor, não são nem oito e meia da manhã e você já parece exausta!
- Bobão – resmunguei, sorrindo fraco de seu senso de humor inapropriado. Em resposta, ele enrugou o nariz, numa imitação perfeita (a não ser pelo nível maior de beleza) de minha expressão enfezada, e me abraçou apertado.
- Podemos nos abraçar em público agora! – ele sussurrou, empolgado, e eu alarguei meu sorriso, retribuindo seu gesto – Vamos poder ir ao cinema, passear, andar de mãos dadas, comprar lingerie…
- Ai, meu Deus, eu não ouvi isso – gargalhei, dando um tapinha em suas costas e afastando-me dele, notando que mamãe se reaproximava.
- Vamos, filha? – ela perguntou, um tanto apressada – Tenho que ir pro serviço, já estou atrasada.
- Hm… A senhora se incomoda se eu a levar? – Thur perguntou, sem jeito, e eu prendi um sorriso ao ouvir exatamente o que queria – Só preciso pegar minhas coisas na sala dos professores e já vou embora… A senhora parece estar com pressa, deixe que eu a levo para casa.
Mamãe me olhou brevemente, hesitante, e eu devolvi seu olhar, me esforçando ao máximo para deixá-la confiante quanto à minha segurança enquanto Thur estivesse comigo. Após alguns segundos, ela apenas deu de ombros, dando um sorrisinho agradecido, porém não muito convincente. Era nítido que ela ainda tinha seus medos e incertezas com relação àquele relacionamento, e eu a entendia perfeitamente.
- Bom… Obrigada – ela agradeceu, e Thur retribuiu com um gesto de cabeça – Foi um prazer conhecê-lo. Tchau, filha, se cuida. É pra ir pra casa, ouviu? Qualquer coisa me ligue.
- Pode deixar, mãe – sorri, retribuindo seu abraço rápido, e a observei entrar no carro rapidamente, arrancando e sumindo pela rua logo depois. Respirei fundo, sentindo uma pontada de alívio pelo desfecho até então positivo, e me virei para Thur, abrindo um sorriso de orelha a orelha assim que o fiz.
- Hm… Vamos recapitular – ele disse, fingindo estar pensando – Demissão já esperada: confere. Plano maligno realizado com sucesso: confere. Conquista de parte da simpatia da sogra: confere. O que mais está faltando?
- Algumas horas sozinhos lá em casa – pisquei, abraçando-o pelo pescoço, e ele sorriu, gostando do que havia ouvido – Confere?
- Se isso é um convite, está mais do que aceito – ele respondeu, me dando um selinho demorado, porém uma voz resmungando perto de nós me fez afastá-lo.
- Com licença, fofuxinhos do meu coração – Sophia sorriu com simpatia exagerada, estendendo-me minha mochila, e eu a peguei, agradecida – Bem que eu queria ir embora também, mas sabe como é… Aula do Araripe daqui a pouco.
Eu e Thur fizemos caretas apavoradas ao mesmo tempo, e os três caíram na gargalhada.
- Obrigada por tudo, Sophia – falei, olhando-a com enorme gratidão – Você foi simplesmente incrível hoje.
- É verdade – Thur concordou, sorrindo amigavelmente – Você foi demais.
- Ah, gente, imagina – ela negou, tímida, porém deu uma jogadinha esnobe de cabelo logo em seguida, o que só causou mais riso – Eu não podia deixar aquele corno do Mica se safar dessa e prejudicar vocês.
- Obrigada mesmo – reforcei, e ela retribuiu com um sorriso sincero – Agora vamos antes que você leve bronca.
Fizemos o caminho inverso, acompanhando Sophia pelo trajeto de volta à classe, e nos despedimos ao chegarmos ao andar da sala dos professores. Thur entrou rapidamente para pegar suas coisas, e eu notei que alguns alunos estavam no corredor, devido à troca de aulas. O primeiro tempo havia acabado, e geralmente a maioria dos estudantes saía de suas salas para conversar ou para esticar o esqueleto mesmo.
- Pronto – ele disse assim que deixou a sala, já com sua mochila nas costas – Vamos dar o fora daqui.
- Eba, fuga da escola – brinquei, percebendo alguns olhares intrigados sobre nós conforme descíamos os degraus rumo à saída, e respirei aliviada por não precisar esconder mais nada de ninguém. Minha reputação ficaria completamente manchada quando todos soubessem sobre meu relacionamento com dois professores (ou melhor, ex-professores), mas eu pouco me importava.
Seguimos até o pátio, atraindo olhares de alguns alunos matando aula por ali, e assim que a rua se tornou visível, Thur intensificou levemente o aperto em minha mão. Franzi a testa, sem entender, e bastaram mais alguns passos para que eu entendesse seu alerta mudo.
Na vaga à frente do Porsche prateado, Mica se preparava para entrar em seu carro.
- Deixa ele dar um olhar torto pra você ver o que acontece – Thur murmurou, com a expressão fechada, e eu me assustei diante de sua mudança brusca de humor – Eu não tenho mais nada a perder mesmo.
- Só entre no carro e dirija – rebati, tentando podar seus instintos homicidas subitamente aflorados. Ele havia se controlado bem até então, não queria uma explosão de violência logo agora que estávamos quase vencendo a guerra.
Atravessamos a rua, ambos tensos demais para disfarçar, e Mica fixou seu olhar em nós dois conforme entrávamos no carro. Mais especificamente, em Thur.
Ele realmente não devia ter feito isso.
Mal tive tempo de entrar no carro, Thur já estava de pé novamente, caminhando na direção do antigo amigo e atual rival com uma postura ofensiva. Sem nem ter tempo de pensar, imitei sua atitude, correndo até ele e segurando seu braço.
- Tá olhando o quê? – ele perguntou, parando à frente de Mica e encarando-o com irritação – Quer uma despedida calorosa?
- Thur, vamos embora – pedi, percebendo que o clima ficava a cada segundo mais hostil.
- Na verdade, só estava pensando no quanto as coisas mudam – Mica respondeu, com tom de superioridade, o que só fez o punho de Thur se fechar mais ainda – Quem diria… O pedófilo redimido e a santinha depravada!
Não foi como se eu pudesse ter evitado. O fato era que eu simplesmente não poderia, nem mesmo se quisesse, ter impedido que o braço de Thur se desvencilhasse de minhas mãos e seu punho atingisse o queixo de Mica, sem a menor intenção de preservar seu formato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário