sábado, 28 de janeiro de 2012

WEB LuAr - Capítulo 32 / Parte 1 :


Capítulo 32



Meu maior temor, meu pior pesadelo, havia enfim, se tornado realidade. 
Minha cabeça parecia estar dentro de um liquidificador quando meu olhar encontrou o dele. Os dedos de Thur se fecharam com força entre os meus, como se ele soubesse que eu seria capaz de desfalecer a qualquer segundo. Porém, sua força foi inútil; minhas pernas vacilaram perigosamente para baixo, mas num último esforço, eu me mantive de pé, disfarçando meu equilíbrio prejudicado. Eu tinha que ficar consciente. Eu não podia me permitir ser tão fraca, não num momento como aquele, por mais que tudo que eu quisesse fosse simplesmente apagar. 
- Roberta? – a voz falha de Mica pronunciou meu nome, fazendo jus à sua expressão perplexa – O que… O que você tá fazendo aqui? 
Meus pulmões pareciam completamente vazios, causando-me uma falta de ar insuportável, porém era como se eu os fosse explodir se inspirasse. Tudo ao meu redor girava a uma velocidade alucinante, fazendo com que apenas Mica se mantivesse parado à minha frente enquanto todo o resto rodopiava, transformando-se em borrões coloridos e desnorteando-me por completo. 
- Thur, o que está acontecendo? – ele voltou a falar, demorando a desviar seu olhar do meu para encarar o amigo – Alguém pode me explicar o que… 
Sua voz, já um pouco mais alta que o habitual, subitamente cessou quando ele finalmente encontrou a resposta muda às suas dúvidas. O assombro percorreu seu rosto por alguns segundos, fazendo-o soltar todo o seu ar de uma única vez e contorcer seus traços em uma compreensão indesejada. 
Meus dedos, firmemente entrelaçados aos de Thur, o fizeram entender o que estava acontecendo todo o tempo, bem debaixo de seu nariz. 
- Mica, calma – Thur pediu, com a voz determinada, porém assim que ele fez menção de continuar, foi bruscamente interrompido. 
- 
Calma?  Mica exclamou, encarando-o com olhos vidrados e gradativamente homicidas – Por que eu deveria ficar calmo ao ver você de mãos dadas com a minha namorada? 
- Porque não é ele quem está segurando minha mão – pude ouvir minha própria voz dizer, estrangulada, fazendo com que Mica transferisse seu olhar colérico até mim – 
Eu estou segurando a mão dele. 
Seus olhos castanhos continuaram me fitando com horror por alguns segundos, como se testassem minha capacidade de encará-lo. Não consegui fitá-lo por muito tempo, e logo voltei a olhar para o chão, sentindo mais lágrimas se formarem. Após minhas recentes descobertas sobre Mica, meus sentimentos por ele haviam mudado da água para o vinho, mas ainda assim não era daquele jeito que as coisas deveriam estar acontecendo. Thur não deveria ter sido envolvido em nenhum momento de meu acerto de contas com Mica. 
- Então… Você acabou de dizer que está me 
traindo, Roberta? – Mica perguntou entre dentes, e eu fechei os olhos, me sentindo um monstro ao ouvir sua voz trêmula sintetizar nossa situação – E ainda por cima com o meu melhor amigo? 
- Não aja como se ela fosse a única errada nessa história – Thur interveio, com a voz grave, e um soluço baixo escapou por entre meus lábios – Suas atitudes também não foram das mais nobres com ela. 
- Não foram das mais nobres? – Mica repetiu, e mesmo sem olhá-lo, senti a ironia em seu tom – Por acaso eu fui um mau namorado? Por acaso eu deixei de dar o que ela queria em algum momento? 
- Você não pode estar falando sério – sussurrei, sem conseguir conter minha raiva diante de sua postura, fechando meus olhos com mais força – Esconder uma noiva por todos esses meses lhe parece uma atitude nobre? 
- Noiva? Que noiva? – Mica questionou, tentando isentar-se da culpa, e Thur logo fracassou suas expectativas. 
- Ela nos ouviu conversando sobre a Alice agora pouco, não adianta tentar negar. Assuma seus erros, Borges, assim como estamos assumindo o nosso. 
- Isso não muda nada – Mica disse após alguns segundos de silêncio, e eu senti uma dor lancinante percorrer todo o meu corpo ao ouvir sua confissão – Ela não sabia de nada antes de me trair, e aposto que não pensou duas vezes antes de me apunhalar pelas costas, não é, sua vadia? 
- Cala a boca – Thur rosnou, com a respiração cada vez mais pesada, e eu ergui meus olhos vermelhos e molhados até encontrar os de Mica. 
- Cala a boca você, Aguiar! – ele retrucou num volume alto, aproximando-se de mim com um olhar neurótico, e parou a um passo de distância – Ela é uma vadia mesmo, e é assim que vadias merecem ser tratadas! 
Antes que Thur pudesse abrir a boca mais uma vez, a mão forte de Mica voou na direção de meu rosto, dando-me um tapa ardido e doloroso que me fez cair a alguns passos de distância dos dois. 
- Qual é o seu problema, seu merda? – Thur exclamou, empurrando Mica pelo peito, e eu prendi um grito de dor, engolindo meu choro desesperado e sentindo gosto de sangue em minha boca. O lado agredido de meu rosto pareceu inchar e latejar imediatamente, e toda a dor só aumentava a cada segundo, porém eu não ousei fechar meus olhos ou derrubar uma lágrima. Eu havia errado e merecia um castigo por isso. 
- Sua puta! – Mica xingou, apontando para mim, e eu me levantei rapidamente, vendo Thur avançar cada vez mais para cima dele – Vadia, piranha, biscate! 
- Você mentiu pra mim desde o começo, Mica – falei, balançando negativamente a cabeça e encarando-o com tristeza, ainda sem acreditar que ele havia realmente sido capaz daquilo – Você sempre me enganou… Por quê? 
- Porque eu amo você! – ele exclamou, com a testa pesadamente franzida, e duas grossas lágrimas caíram de seus olhos – Eu amo você, sua maldita! Como você foi capaz de fazer isso comigo? 
- Você me ama? – repeti, cerrando os olhos e sentindo minha barreira invisível contra as lágrimas aos poucos ceder – Se me amasse de verdade, teria me contado. 
- Foi exatamente por isso que eu nunca te contei! – ele disse, contorcendo o rosto em tristeza e deixando ainda mais nítido que estava chorando – Eu sabia que você jamais aceitaria ficar comigo se soubesse! 
- E por isso a enganou? Você realmente achou que esse seu plano funcionaria para sempre? – Thur perguntou com fúria na voz, ainda mantendo uma postura ameaçadora diante de Mica – Foi muita imaturidade sua, Micael! 
- Quem é você pra me falar de maturidade, Thur? – Mica retrucou, encarando-o com ódio e dando um passo em sua direção – Olha o que você foi capaz de fazer comigo! 
- Nada que você não merecesse! – Thur cuspiu, e assim que o punho de Mica avançou na direção dele, um grito de pavor escapou por minha garganta. 
- 
Não! 
Lancei-me na direção de Thur, segurando em seu braço e puxando-o para trás antes que fosse golpeado. Por pouco o punho de Mica não o acertou, e eu segurei firme no braço de Thur para que ele não tentasse revidar a agressão. 
- Eu vou matar você! – Mica o ameaçou, avançando em nossa direção, e antes que ele se aproximasse muito, Thur, cego de ódio, desvencilhou-se de mim e o empurrou novamente, dessa vez derrubando-o no chão. 
- Some da minha frente antes que 
eu te mate! – ele urrou, mantendo contato visual com Mica por alguns segundos até que este se levantou e desviou seu olhar repleto de ira até o meu.
- Eu ainda não acabei com você – ele murmurou, novamente apontando em minha direção, e o tom psicopata em sua voz me arrepiou da cabeça aos pés – Pode esperar… Nós ainda vamos acertar nossas contas. 
- Some daqui, Borges! – Thur gritou, apontando para as escadas, e após mais alguns segundos me encarando, Mica deu meia volta e desceu rapidamente os degraus. Thur e eu continuamos paralisados por um tempo, apenas encarando o espaço vazio antes ocupado por Mica, sem saber como reagir. Minhas pernas tremiam assustadoramente, e assim que minha mente compreendeu que a ameaça imediata de perigo já havia ido embora, a dor física e emocional começou a se manifestar com toda a sua intensidade, fazendo com que meus joelhos cedessem ao meu peso. Porém, antes que eu caísse, as mãos de Thur envolveram meus braços com firmeza, mantendo-me de pé. 
- Calma, calma – ele soprou, puxando-me para si e afundando-me em seu abraço – Vai ficar tudo bem, eu prometo. 
Tentei abrir a boca para dizer que não, mas não consegui. Eu sabia que nada ficaria bem dali em diante, e que todas as minhas certezas seriam apenas lembranças muito em breve. Mica faria de minha vida um inferno, espalharia para quem quisesse ouvir o que aconteceu entre nós, mancharia minha imagem e me prejudicaria de todas as maneiras que lhe fossem possíveis.
- Vem, vamos cuidar de você – Thur sussurrou, desfazendo nosso abraço e me guiando até a porta do laboratório outra vez. Ele rapidamente destrancou-a para que entrássemos, e logo em seguida voltou a trancá-la, dando-nos total segurança. Meu corpo estava completamente mole, inerte, sem forças para realizar qualquer movimento. A dor em meu rosto ficava mais forte a cada segundo, mas na realidade era sua causa moral quem a fazia latejar. Eu já havia tido vários pesadelos com aquele momento, mas nunca imaginei que eles fossem se concretizar daquela maneira tão inesperada e cruel. 
- Senta aqui – ele pediu, erguendo-me do chão e colocando-me sobre a bancada. Seus olhos pairaram sobre o lado agredido de meu rosto por alguns segundos, e um suspiro escapou por entre seus lábios, denunciando que os dedos de Mica provavelmente haviam ficado marcados ali. Nada que eu não merecesse. 
- Eu sou um monstro – solucei, sem sequer conseguir encará-lo, e ele colocou suas mãos delicadamente em meu rosto, sem tocar a parte afetada – Ele tem razão em tudo que disse sobre mim. 
- Não, Roberta, ele está errado – Thur sussurrou, erguendo meu rosto sutilmente para que eu não tivesse como fugir de seu olhar – Você sempre se preocupou com ele, apesar de tudo, enquanto ele te enganou de propósito por todo esse tempo… Pra mim, ele é o monstro, não você. 
Balancei negativamente a cabeça e fechei os olhos com força, sem conseguir respirar e sentindo meu choro se intensificar a cada vez que os olhos de Mica voltavam à minha mente. 
- Me escuta – ele insistiu, enxugando minhas lágrimas com cuidado e me olhando com determinação – Se existe algum culpado nessa história toda, essa pessoa sou eu. Se você está nessa situação hoje, a culpa é inteiramente minha. Eu te persuadi a ficar comigo, eu fui inescrupuloso ao te querer pra mim mesmo sabendo que você já estava com ele… 
- Não, Thur – gemi baixinho, segurando suas mãos e erguendo meus olhos até os dele – Eu sou a culpada… 
- Claro que não! – ele persistiu, aproximando seu corpo do meu e franzindo levemente a testa, como se estivesse sofrendo comigo – Se você quiser, eu posso ir atrás dele e dizer que foi tudo culpa minha, e que eu te chantageei para poder ficar com você… 
- Você não vai fazer um absurdo desses – o interrompi, horrorizada com seus pensamentos errôneos – Não há nada que possamos fazer… Nada vai mudar o que aconteceu. 
Ele apenas me encarou, soltando um suspiro derrotado, e seu olhar triste sustentou o meu por alguns segundos, até que seus braços envolveram minha cintura delicadamente. Afundei meu rosto em seu peito, sentindo as lágrimas caírem livremente por ele, e fechei fortemente os olhos, sentindo meu coração se contorcer de dor. Ergui meu rosto para poder observar o dele, e minha bochecha machucada roçou seu peito com certa força, fazendo com que uma dor pulsante encolhesse meu corpo de imediato. 
- É melhor eu pegar algo gelado pra colocar aí - Thur disse, se afastando de mim, e eu pude ver tristeza em seus olhos ao fitar meu rosto dolorido. Respirei fundo, encarando o espaço vazio onde antes ele estava por um tempo, mas que logo foi ocupado por seu corpo novamente. 
Thur sorriu fraco, porém sem alegria nenhuma, e me estendeu uma luva de plástico com alguns cubos de gelo dentro e uma carinha feliz desenhada nela. Fitei o sorriso disforme que ele havia improvisado sem que eu sequer me desse conta, e mesmo me sentindo horrível, um sorrisinho triste surgiu em meu rosto. 
– Vamos esperar até você se acalmar um pouco e eu te levo pra casa, está bem? – ele murmurou, afastando algumas mechas de cabelo de meu rosto, e eu assenti fracamente. Coloquei a luva sobre meu rosto e fechei os olhos ao sentir o efeito da baixa temperatura em contato com minha pele. 
- Estou com medo de ir pra casa – sussurrei após longos segundos de silêncio, vendo-o me olhar em dúvida – Não vou conseguir esconder de minha mãe. 
- Quer ir pra minha então? – ele perguntou baixo, inclinando um pouco a cabeça para o lado, e eu pensei por alguns segundos antes de negar fracamente – Por que não? Vai ser bom poder cuidar de você. 
- Eu estou bem – murmurei, desviando meu olhar do dele e engolindo a tristeza presa em minha garganta com toda a força que encontrei, para que ele não se preocupasse tanto comigo – Só preciso ficar sozinha um pouco. 
- Tudo bem… Mas por que você mente pra mim? – ele indagou, ajeitando carinhosamente meus cabelos para que eles se comportassem atrás de minha orelha e fazendo minhas lágrimas silenciosas voltarem a cair – Tudo que eu quero é cuidar de você agora. 
- Eu não gosto de compartilhar minhas dores – falei com a voz contida, voltando a encarar seus olhos, agora ainda mais escuros que de costume – Prefiro assim… Não quero que as pessoas sintam pena de mim. 
- Eu não sinto pena de você – Thur disse, encarando-me com seriedade – Eu gosto de sentir o que você sente… Mesmo que seja dor. Sabe, isso me faz bem. Me faz sentir um pouco menos frio por dentro. 
Soltei um suspiro fraco, e fechei meus olhos por um momento antes de voltar a fitá-lo. Ele não podia ser real. 
- Você não é frio por dentro – o corrigi baixo, entrelaçando meus dedos nos dele inconscientemente e sentindo meu rosto completamente lavado de lágrimas. 
- Eu era – ele suspirou, olhando para nossas mãos unidas, e havia um certo tom de confissão em sua voz – Mas você tem me ajudado bastante nisso. 
Minha mão havia relaxado inconscientemente, e o contato repentino de sua pele quente contra a minha já um pouco mais gelada me arrepiou de leve conforme ele voltava a ajeitar a luva sobre meu rosto com um sorrisinho compreensivo, porém ainda muito triste. Tudo que consegui fazer foi continuar chorando silenciosamente e apertar seus dedos entre os meus. 
- Digamos que você é minha pequena faísca de felicidade – ele murmurou com a voz e o olhar baixos – E eu não vou deixar que suas lágrimas te apaguem. 
Não consegui responder nada, sentindo mais lágrimas se formarem, porém dessa vez, havia um mísero fio de alegria nelas. Thur soltou um risinho de deboche, envergonhado, e eu selei nossos lábios com carinho, segurando seu rosto com a mão livre e acariciando sua pele com meus polegares. Ele chegou mais perto, envolvendo minha mão que segurava a luva para que ela não saísse do lugar, e afastou nossos lábios, mantendo seu rosto muito próximo. 
- Não vai embora, por favor… Não agora – funguei, sendo involuntariamente infantil, e ele deu um sorriso adorável – Eu preciso muito de você, agora mais do que nunca. 
- Eu não estava indo a lugar algum – ele soprou contra meus lábios enquanto eu o abraçava pelo pescoço com o braço desocupado – Nem agora, nem depois. 
Sem, palavras diante das dele, levei alguns segundos para conseguir sorrir fraco, admirada com sua atitude. Pela milésima vez naquele dia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário