Capítulo 30 (Roberta Messi’s POV)
Me remexi na cama, ainda de olhos fechados. Espreguicei-me devagar e abri lentamente os olhos, deixando que a luz do sol os atingisse e provocasse uma careta em meu rosto. Pisquei algumas vezes, observando o quarto vazio, e me assustei ao não encontrar Mica ao meu lado. Os lençóis estavam desarrumados onde eu tinha certeza de que encontraria seu corpo deitado, mas ao invés dele, um pequeno bilhete repousava.
Você estava dormindo tão bem que não quis te acordar. Tive que ir, preciso chegar antes do almoço em Sheffield. Deixe as chaves do apartamento na portaria, está bem? Te amo, meu anjo, já estou com saudades!
xx
Sorri involuntariamente com as palavras dele, e afundei meu rosto em seu travesseiro, ainda conseguindo sentir seu perfume. Novamente, ele estava indo visitar a família, dessa vez para comemorar seu aniversário, e me deixando sozinha no fim de semana. Ou talvez nem tão sozinha.
Bastaram alguns segundos com a mente vazia para que todos os acontecimentos da noite anterior me atingissem. Aquele último mês havia sido tão torturante para mim… Minha mente havia adotado um estado tão denso de conformação com minha distância de Thur que me lembrar de tudo que havíamos feito há algumas horas parecia extremamente surreal. Um sonho, talvez, se não tivesse sido tão intenso.
A princípio, senti muita raiva dele, por não compreender minha situação. Eu precisava escolher um rumo para minha vida, e ele parecia não enxergar isso. Porém, assim que senti seus lábios nos meus, o calor de seu corpo me dominando, seu perfume me intoxicando, foi impossível não ceder à enorme e gritante saudade que meu corpo nutria pelo dele. E quando voltei a ter controle sobre mim mesma, estava chorando em seu ombro, dizendo que o queria comigo. Um mês de autocontrole jogados no lixo em uma noite… Mas eu não me arrependia de nada, ao contrário do que pensei. A sensação de culpa parecia estranhamente insignificante diante de meu bem estar.
Um calor gostoso emanava de meu peito em direção ao resto de meu corpo; uma felicidade exótica, que não pensei que fosse sentir. Um sorrisinho se formou em meu rosto ao me lembrar de Thur me carregando pelo apartamento, e ao mesmo tempo, uma saudade manhosa surgiu quando a lembrança de seu beijo me veio à mente. Fechei os olhos com mais força, tentando entender o porquê de toda aquela dependência, mas foi inútil; a lembrança mais intensa daquela noite veio à tona, fazendo a voz dele ecoar em minha mente e impossibilitando-me de pensar em qualquer outra coisa. Eu te amo, Roberta.
Virei-me de barriga pra cima, soltando um suspiro e encarando o teto claro vagamente. Ele me amava. Arthur Aguiar havia dito que me amava. E eu? Eu o amava? Ou aquilo era apenas uma atração momentânea? Por que eu me sentia tão leve e feliz ao pensar nele? Por que meu coração batia daquele jeito apressado ao visualizar seu rosto em minha mente?
Talvez eu também o amasse? Não, não poderia ser. Eu mal o conhecia! Quer dizer, eu não sabia nada sobre sua vida, não sabia sua cor favorita, sua banda favorita, sua comida favorita… Tudo que eu sabia era que… Bem, que ele me amava. E meu coração estava doido para retribuir esse sentimento, por mais que minha mente construísse obstáculos para isso.
Olhei instintivamente para o relógio de cabeceira, ainda com a mente longe dali: 12h57min. Assim que bati os olhos na hora, lembrei-me de meu compromisso com Thur, e alguma coisa subitamente começou a fazer cócegas em minha barriga. Meu Deus. Eu o veria de novo hoje, dali a uma hora, mais especificamente. Uma hora que de repente me pareceu um milênio.
Respirei fundo, sentindo-me involuntariamente ansiosa, e resolvi levantar. Arrumei rapidamente a cama, agitada, e deixei o bilhete de Mica sobre ela, para responder antes de sair. Fui direto para o banheiro tomar um bom banho e fazer minha higiene matinal, aproveitando para já prevenir-me. Eu tinha algumas camisinhas femininas na bolsa, apenas por precaução, e tive certeza absoluta de que precisaria estar protegida se pretendia mesmo ir à casa de Thur. Quer dizer, não é novidade nenhuma que eu e Thur tínhamos uma certa facilidade de entrar no clima.
Uma meia hora depois, quando terminei, me vesti com algumas roupas íntimas que havia deixado na casa de Mica (as melhores que eu tinha, diga-se de passagem). Coloquei uma camiseta velha dele por cima, a que eu sempre usava quando dormia lá, enrolei meus cabelos molhados num coque desengonçado e fui até a cozinha, morta de fome. Havia alguns panfletos de restaurantes sobre a mesa, provavelmente colocados ali por Mica, e eu não pude deixar de agradecê-lo mentalmente ao deduzir isso. Liguei para um dos restaurantes e pedi meu almoço com tudo que tinha direito. Que se dane o regime, eu estava com fome. E algo me dizia que eu ia precisar de energia para aquele dia. Penteei meus cabelos e vesti uma calça jeans e uma camiseta de meia manga branca de botões, juntamente com meu All Star com estampa de histórias em quadrinhos, muda de roupa que eu havia deixado no guarda-roupa de Mica por precaução. O almoço não demorou a chegar, e eu o devorei rapidamente, doida de fome. Lavei a pouca louça que havia sujado e deixei a casa o mais impecável possível, sem querer dar o mínimo trabalho a Mica.
Terminei de me arrumar calmamente, com tempo de sobra, e liguei para minha mãe, avisando-a que iria almoçar com Sophia e que só voltaria para casa ao anoitecer. Sim, eu ainda usava a velha desculpa de estar com Sophia, que outra eu poderia dar? Enquanto essa colasse, eu a usaria, mesmo me sentindo mal por ter que mentir tanto para minha mãe. Eram mentiras necessárias, e eu pretendia deixar de enganá-la assim que tivesse dezoito anos e fosse dona de meu próprio nariz, pelo menos legalmente.
Deixei também uma simples e carinhosa resposta ao bilhete de Mica sobre a cama. Encarei suas palavras ternas e uma pontada esquisita se manifestou em meu peito. Não era exatamente culpa; parecia que haviam jogado vinte litros de água fria sobre ela, atenuando-a consideravelmente. Parecia que estava faltando alguma coisa se manifestar em mim… Algo como aquele frio na barriga ao ler um bilhete de quem se ama, ou o sorriso derretido de quem se aquece por suas palavras de carinho. Com um suspiro inseguro, decidi não pensar mais em Mica durante aquele dia, determinada a me manter tão leve e calma como acordei. Após um mês de tortura, meu coração estava cansado de sentir tanta dor, ainda mais sendo eu mesma a criadora dela. E agora que eu havia decidido analisar minhas opções, mesmo que pelo menor tempo possível, não seria certo me sentir tão culpada a cada vez que Thur fosse o tema de meus pensamentos.
Saí do apartamento, entregando as chaves a Andy antes de deixar o prédio, e comecei a caminhar o mais rápido que pude até o prédio de Thur. Agradeci mentalmente ao frio suave que fazia, permitindo-me andar depressa sem suar feito uma doida, e em meia hora, já estava a dois quarteirões de sua casa. Em mais cinco, finalmente cheguei à luxuosa portaria de seu prédio.
- Erm… Arthur Aguiar? – gaguejei ao porteiro assim que parei em frente ao balcão, e ele imediatamente assentiu uma única vez, discando alguns números num telefone.
- Vigésimo terceiro andar, senhorita – o senhor sorriu, após anunciar minha chegada a alguém do outro lado da linha (que só podia ser uma pessoa), e eu retribuí seu sorriso, caminhando até o elevador que ele havia me indicado. Enquanto eu o esperava descer do décimo sétimo andar, observei o lindo hall do prédio, maravilhada com a decoração. Tudo ali parecia custar mais que minha casa, até as canetas da recepção. Realmente, Thur deveria ser muito mais rico do que eu imaginava se podia morar num prédio como aquele.
O som do elevador chegando ao térreo me arrancou de meus devaneios, e eu entrei rapidamente no mesmo, apertando o botão de número 23. Ao passar os olhos rapidamente pelo painel, notei duas coisas curiosas. A primeira era que os andares do prédio eram numerados de dois em dois (primeiro, terceiro, quinto, etc.), o que me fez deduzir que cada apartamento tinha dois andares. Nota mental: conhecer o segundo andar do apartamento de Thur. A segunda curiosidade estava numa pequena plaquinha sob o número do 23º andar, cujas letras formavam a palavra cobertura. Ergui minhas sobrancelhas, surpresa. Então ele morava na cobertura? Hm, mais um motivo para querer conhecer o segundo andar… Com certeza deveria haver algo de interessante por lá.
Demorou uma eternidade, mas finalmente o elevador chegou ao vigésimo terceiro andar. Respirei fundo ao ver o número no painel luminoso, e a porta automática deslizou para o lado logo em seguida, revelando o apartamento incrivelmente grande, lindo e claro de Thur. Fiquei paralisada durante alguns segundos, apenas reunindo forças para sair do elevador, até que um par de olhos castanhos entrou em foco, acompanhado de um charmoso sorriso de canto.
- Com medo de quê? – Thur sorriu após alguns segundos, erguendo uma sobrancelha, e por um momento, esqueci como se respirava. Engoli em seco, ainda desnorteada, e forcei meus pés a se moverem, levando-me até ele tremulamente. De onde havia surgido todo aquele nervosismo mesmo?
- Medo da sua conta bancária – respondi, ainda encabulada ao parar na frente dele e sentindo um cheiro maravilhoso de sabonete misturado a perfume masculino – Ela me assusta.
Thur soltou uma gargalhada alta, vencendo a curta distância entre nós e passando uma de suas mãos por minha cintura, arrepiando-me por completo com um simples toque. Pode parecer mentira, mas ele realmente me dava choques elétricos com apenas aquele contato.
- Pensei que já estivesse acostumada com ela – ele disse, e eu neguei com a cabeça, ainda me recuperando de sua aproximação – Talvez eu seja mesmo péssimo em decifrar você.
- Me desculpe por ser um enigma – falei, finalmente olhando-o nos olhos, e ele sorriu, aproximando seus lábios dos meus e beijando-me calmamente, numa expressão física de boas-vindas. Seu perfume, tão forte e viciante como eu nunca havia sentido antes, fez meu coração bater com uma força assustadora, e sem sequer perceber, eu me empolguei, abraçando-o pelo pescoço e atirando minha bolsa no sofá mais próximo. Thur me abraçou apertado pela cintura, erguendo-me do chão, e sorriu ainda mais ao perceber minha empolgação.
- Calma – ele sussurrou ao partir o beijo, e eu respirei fundo, fechando os olhos e sentindo meu rosto esquentar – Nem bem chegou e já quer roubar todo o meu oxigênio?
- É que eu fiquei com saudade – sussurrei, incapaz de conter minhas palavras, e imediatamente senti meu rosto corar. Droga, por que eu ainda me sentia tão vulnerável com ele?
- Eu entendo perfeitamente – ele disse, pondo-me no chão e deslizando suas mãos tranquilamente até meus quadris – Também ficaria com saudade de mim mesmo se fosse você.
- Convencido! – exclamei, rindo de sua postura superior, e lhe dei um tapa no braço – É agora que eu vou embora?
- Não, é agora que você me dá mais um beijo e bagunça o meu cabelo – ele corrigiu, mordendo o lábio inferior ao puxar meu corpo pra mais perto do seu – Eu o penteei do jeito que eu odeio só pra você deixá-lo do jeito que eu gosto.
- Ah, é? – brinquei, embrenhando minhas mãos por seus cabelos macios e surpreendentemente não bagunçados – Obrigada pelo presente!
Thur riu baixinho, e eu colei meus lábios aos dele, deixando que nossas línguas se encontrassem sem demora e iniciassem mais um de nossos beijos eletrizantes. Ele postou uma de suas mãos em minha nuca, aprofundando o beijo, e eu revirei seus cabelos com vontade, sentindo-o sorrir e puxar minha cintura pra mais perto de si.
- A gente vai acabar transando no sofá de novo desse jeito – murmurei rindo, após uns cinco minutos de amasso, partindo o beijo para falar.
- Desculpe - ele ofegou, apesar de relutante, e respirou fundo, afastando seu rosto do meu – Quem se empolgou agora fui eu.
- Estamos quites no quesito vergonha então – dei risada, vendo-o entortar a boca em tom de constrangimento.
- É, acho que sim – ele riu, apertando seu abraço em minha cintura – Bom, já pagamos micos suficientes por hoje… O que quer fazer agora? E sexo não vale. Não ainda.
- Hm… – pensei, mordendo meu lábio inferior – Me mostre seu apartamento.
Thur franziu a testa com meu pedido.
- Ué… Você já o conhece – ele respondeu, confuso.
- Não o andar de cima – expliquei, fazendo uma cara sapeca, e ele finalmente entendeu o motivo de meu pedido.
- Tem razão – ele assentiu, me abraçando de lado e colocando sua mão no bolso traseiro de minha calça – Vamos conhecer o andar de cima então.
- Se for tão lindo quanto esse, já o adorei – confessei, deixando que ele me guiasse pela casa impecavelmente limpa e perfeita.
- Se você adora esse aqui, vai amar o outro – ele murmurou perto de meu ouvido, fazendo minha respiração falhar sem nem perceber e ainda por cima dando um sedutor sorrisinho de lado.
Caminhamos em silêncio até a escada, que eu nunca havia visto porque minhas passagens por aquele apartamento haviam sido rápidas e turbulentas demais para que eu a notasse, e subimos rapidamente os poucos degraus. Assim que chegamos ao segundo andar, a primeira coisa que observei foi uma enorme parede branca e vazia, a alguns metros de distância de um grande e visivelmente confortável sofá. Ergui um pouco meus olhos até algo que estava pendurado no teto, e meu queixo caiu ao reconhecer o aparelho.
- Você tem um projetor? – falei, sem conseguir disfarçar minha surpresa, e ele riu ao meu lado.
- Gosto muito de ver TV quando o sono não chega – ele disse, e meus olhos notaram também uma estante abarrotada de CDs, DVDs e livros encostada a outra parede – Costumo até dormir mais aqui que em meu próprio quarto.
- Você acertou em cheio – assenti, maravilhada com todas aquelas novas informações – Eu simplesmente amei esse andar.
- Hm, pelo menos nessa previsão eu acertei – Thur brincou, e eu o olhei, sorrindo timidamente – Espero que você goste do resto também.
- Como assim? – perguntei, arregalando os olhos, totalmente alheia a qualquer senso do ridículo – Tem mais?
- Claro que tem, Roberta – ele riu, divertindo-se com minhas reações patéticas, porém logo voltou a ficar sério – E é nesse andar que fica minha parte favorita do apartamento… Mas só te levo lá se fechar os olhos. E não vale espiar.
Lancei-lhe um olhar desconfiado, ansiosa com todo aquele mistério, e ele apenas ergueu as sobrancelhas, num incentivo mudo. Respirei fundo, derrotada por minha curiosidade, e fechei os olhos, sentindo-o entrelaçar nossos dedos e me conduzir.
Uns vinte passos depois, ele parou de andar, e me colocou em sua frente, segurando meus ombros de um jeito que me arrepiou involuntariamente. Apesar de não estar vendo nada, percebi que uma certa claridade emanava do local onde estávamos prestes a entrar, mas quando ia abrir a boca para perguntar se havíamos chegado, Thur colocou o rosto bem perto de meu ouvido e respondeu à minha pergunta:
- Espero que goste de contar estrelas.
Sem precisar de maiores incentivos, abri lentamente meus olhos, deparando-me com uma larga porta de vidro, através do qual tudo que se via era o céu nublado e o chão de pedra, que levava até um deck de madeira. Levei alguns segundos para absorver aquela descoberta, e tudo que consegui fazer foi sorrir, admirada, e olhar para ele, sem saber o que dizer. Além de todo o luxo e perfeição de cada cômodo, ainda havia uma área externa… Sendo a adoradora do céu que eu era, agora sim podia afirmar que aquele era o apartamento mais perfeito do universo.
- Não está um dia exatamente bonito, mas aposto que você vai compensar as nuvens escuras – ele murmurou, fazendo um discreto sinal para que eu prosseguisse, e assim eu o fiz. Envolvi a maçaneta da imponente e grossa porta de vidro à minha frente e a abri, revelando a parte externa da cobertura. Andei devagar pelo piso de pedra e olhei ao redor da extensa área, notando a presença de detalhes que eu ainda não havia conseguido ver: uma mesa redonda de vidro cercada de cadeiras, algumas espreguiçadeiras, uma ducha e um pequeno jardim. Meus olhos se recusavam a crer em tudo que viam, e tentando não parecer tão deslumbrada, subi os degraus do deck, encontrando sobre ele, uma pequena piscina. Aquele apartamento era tudo que eu sempre havia sonhado, e ter as imagens de minha mente transformadas em realidade era demais para mim.
Fiquei encarando meu reflexo perplexo na água, sem reação diante de toda aquela beleza, e logo um outro reflexo surgiu ao lado do meu. Thur não me tocou; apenas esperou pacientemente que eu recuperasse a voz, o que levou alguns segundos.
- Eu… Thur… Sua casa é… Um sonho – finalmente falei, sem fôlego, e olhei para ele, que sorria de um jeito tímido. Jamais eu imaginara que uma pessoa como ele poderia ter um apartamento tão aconchegante e lindo em cada detalhe, e essa surpresa se mesclava ao meu deslumbre, deixando-me totalmente desnorteada.
- Que bom que te agrada – ele murmurou, colocando as mãos nos bolsos da calça como se estivesse acanhado – Prometo te trazer muitas outras vezes aqui, se esse brilho nos seus olhos aparecer em todas elas.
Abaixei meu olhar do dele, envergonhada por minha reação um tanto intensa demais, mas logo voltei a encará-lo, sentindo falta de suas íris quentes fitando as minhas tão agradavelmente.
- Eu não preciso de nada disso pra que meus olhos brilhem – falei baixinho, séria – Não quero que você tenha uma impressão errada de mim. Bens materiais não me influenciam.
- Eu sei, Roberta – ele assentiu, compreensivo, e um sorrisinho se formou em seu rosto – Se bens materiais te influenciassem, você já teria escolhido ficar comigo há muito tempo.
Fiquei em silêncio diante de suas palavras, sem a menor idéia do que dizer. Voltei a olhar nossos reflexos na água, e mergulhei em pensamentos confusos, ainda em choque com todas aquelas novas informações e com o coração acelerado.
- Por que eu? – pensei alto demais, erguendo meus olhos até os dele, intensamente castanhos e mais escuros que o habitual, como se eu não fosse a única refletindo sobre toda a loucura que era nossa relação – Por que você me escolheu?
Thur apenas retribuiu meu olhar pensativo por alguns segundos, até que um sorriso cansado e fraco contornou seus lábios.
- Não sei te responder – ele disse, aproximando-se lentamente de mim – Mas posso te mostrar um pouco do que eu sei.
Olhei fundo em seus olhos, agora tão próximos, e senti suas mãos quentes envolverem meu rosto, sendo seguidas por seu hálito de canela contra meus lábios.
- Você se arrepia quando eu chego perto… Assim? – ele sussurrou, ainda me olhando com intensidade, e eu assenti fracamente. Foram poucas as vezes em que eu havia visto suas íris tão de perto, e tal fato provocava um vazio total em meus pulmões.
- E se eu te tocar aqui… – ele continuou, deslizando uma de suas mãos até minha cintura - E te abraçar assim… – seu braço envolveu meu corpo e me puxou para perto dele – Consegue sentir seu coração acelerar?
Assenti novamente, hipnotizada por seu olhar. Assim como eu, ele estava sério, como se cada efeito que ele surtia em mim refletisse nele da mesma maneira e com a mesma intensidade.
- E se eu te beijar desse jeito… – ele soprou, unindo nossos lábios delicadamente e acariciando minha língua com a sua de um jeito totalmente íntimo e calmo, partindo o beijo não muito tempo depois – O que você sente?
Abri meus olhos assim que ele terminou sua pergunta, e por um segundo, pensei que fosse desmaiar em seu abraço. Meu coração batia com muita força em meu peito, e eu sentia o sangue fervente correr com cada vez mais pressão a cada segundo por minhas veias. Levei algum tempo para voltar a respirar, e o respondi com um sussurro fraco, incapaz de falar mais alto.
- Eu sinto… Como se estivesse despencando de uma altura incrível… Sem nada nem ninguém para me salvar… E a última coisa que eu quero é que alguém me salve.
Thur sorriu, intensificando ainda mais nossa conexão de olhares, e uniu nossas testas.
- É bom saber que nos sentimos da mesma forma – ele murmurou, acariciando meu rosto com seu polegar e sorrindo sedutoramente - Agora pergunte a si mesma… Por que eu te escolhi?
Completamente perdida em seus olhos, eu deixei sua pergunta no ar, sem saber como respondê-la. Depois daquele momento tão intenso, a resposta para minha dúvida agora me parecia simplesmente óbvia: era impossível descrever porque havíamos nos escolhido. Tudo que conseguíamos era sentir, como se o efeito entre nossos corpos fosse puramente químico, afetando minha consciência e sentidos de maneira avassaladora. Nada que palavras pudessem descrever.
Algumas gotas de chuva começaram a cair sobre nós poucos segundos após nos calarmos, e ao sentir os pingos frios, retomei um pouco de minha lucidez. Olhamos para cima, sentindo a quantidade de gotas aumentar, e corremos para dentro do apartamento novamente, fechando a porta atrás de nós e observando a chuva intensificar-se depressa. Logo, os pequenos pingos que haviam molhado nossas roupas despencavam furiosamente do céu, ficando do tamanho de bolinhas de pingue-pongue ao golpearem o vidro.
- Eu sei que estou errada em tudo o que estou fazendo com a minha vida e com vocês dois – murmurei, após um longo período de silêncio, onde ficamos apenas observando a chuva cair, e apesar de não olhá-lo, soube que ele se virou para mim – Sei também que não tenho direito algum de pedir nada… Mas eu não sei o quanto minha decisão ainda pode demorar, e não quero que você se sinta pressionado a me esperar…
- Eu vou esperar – Thur me interrompeu, com a voz baixa, porém muito firme, o que me fez desviar os olhos da chuva até encontrar os dele – Demore o quanto precisar.
Fitei suas íris por longos segundos, tentando não sucumbir por completo aos sentimentos borbulhantes que conduziam minha decisão até Thur. Era tudo tão extremo com ele, tão intenso e rápido, que por um instante, a dúvida quanto a amá-lo ou não me pareceu absurdamente ridícula. Era óbvio que sim.
- Obrigada – foi tudo que consegui dizer, sorrindo fracamente, e ele aproximou o rosto do meu, beijando-me com carinho. Eu me sentia ferida por dentro, extremamente machucada, e a cada toque de Thur, a dor abrandava-se, causando uma sensação reconfortante a cada vez que ele se aproximava de mim.
- Não vamos mais pensar nisso por hoje, pode ser? – ele sussurrou contra meus lábios, com os olhos tranqüilos muito perto dos meus e um sorriso fraco no rosto – Vamos apenas aproveitar o tempo que temos juntos.
Não pude impedir que um sorriso também surgisse em minha expressão, denunciando minha simpatia com suas palavras, e eu assenti, envolvendo seu pescoço com meus braços. Meu coração batia tão forte e num ritmo tão acelerado que foi praticamente impossível conter o impulso de esticar-me na ponta dos pés e alcançar seus lábios com os meus novamente. Parecia que minha pele sentia falta da dele e pedisse desesperadamente por contato.
Ouvi um trovão alto ecoar pelo apartamento, e com medo de nossa proximidade da área externa, onde a chuva já havia atingido um nível nitidamente estrondoso, dei alguns passos vacilantes para trás, conseguindo trazer Thur comigo sem partir o beijo. Aos poucos, parando em alguns trechos para deslizarmos nossas mãos por partes nada educadas dos corpos um do outro, caminhamos às cegas pelo pequeno corredor, vez ou outra colidindo com uma das paredes e rindo baixinho de nossos pequenos desastres.
- A gente pode fazer sexo agora? – sussurrei rente aos seus lábios, puxando de leve seus cabelos macios da nuca e sorrindo ao vê-lo franzir suavemente a testa em resposta.
- Se eu disser que não, vai ficar mais excitante? – ele sorriu, mordendo meu lábio inferior devagar logo em seguida – Mesmo isso sendo uma mentira deslavada?
Ri baixinho, sem fôlego ao senti-lo deslizar sensualmente suas mãos por minha cintura, e ciente de minhas vertigens, Thur encostou-me contra uma parede, prensando-me entre ela e seu corpo.
- Posso te levar pra um lugar onde eu tenho muito tesão de fazer sexo com você? – ele sussurrou num tom de confissão em meu ouvido, envolvendo meu pescoço com uma de suas mãos como se quisesse me prender, porém sem parecer violento. Subitamente, ele parecia estar adotando uma postura dominadora, muito diferente da que demonstrava há pouco, mas eu não me importava com sua mudança repentina. Nossos beijos eram capazes de causar alterações bruscas de atitude, eu sabia muito bem disso.
- Você já não precisa pedir permissão pra fazer alguma coisa comigo há algum tempo – respondi, fechando os olhos ao sentir sua respiração quente em minha pele e suas mãos me explorando.
- Eu já sabia disso… Mas prefiro ouvir você dizer – ele ofegou, convencido e cheio de perversão, descendo suas mãos deliciosamente por meu corpo até atingir a parte de trás de minhas coxas, para erguer-me do chão e me fazer envolver sua cintura com minhas pernas. Assim que o fiz, Thur selou nossos lábios novamente, com ferocidade e luxúria, e eu apenas o correspondi, sentindo um calor que só ele me fazia sentir emanar de dentro de mim, numa intensidade extraordinária.
Cambaleando pelos cômodos, ele me carregou até a escada, interrompendo o beijo somente para chegar ao andar de baixo sem tragédias. Aproveitei-me de nossa breve pausa pelo caminho para tirar os tênis e meias, espalhando-os pelos degraus e facilitando o trabalho para ele, que eu sabia que não demoraria muito a fazê-lo. Thur seguiu velozmente pelo corredor do primeiro andar, com a boca urgentemente grudada à minha de novo, até que ele me atirou sobre uma superfície macia, que eu logo descobri ser sua cama. Franzi a testa, sorrindo maliciosamente para ele, que se aproximava lentamente de mim com uma expressão nada ortodoxa. Então ele tinha tesão em transar comigo em sua própria cama? Não posso negar que a idéia me pareceu igualmente tentadora, mas talvez minha imaginação não tivesse parado para pensar num lugar tão convencional (para os padrões de Arthur Aguiar, se é que existem padrões para ele) como aquele.
Apesar de seu quarto ser um território um tanto desconhecido para mim, eu nem me dei ao trabalho de analisá-lo naquele momento, porque os olhos em chamas de Thur me atraíam mais do que qualquer coisa enquanto ele engatinhava por sobre o meu corpo. Tudo que fui capaz de detectar foi que a atmosfera do cômodo era preenchida por um suave teor de seu perfume, o que só me deixou ainda mais enfeitiçada. Aquele cheiro era como uma droga, atiçava todos os meus sentidos da maneira mais forte e inibia toda e qualquer ordem de meu cérebro, transferindo todo o controle para meu coração, que batia descompassado dentro de meu peito. Talvez houvesse algum tipo de fragrância afrodisíaca em sua composição, ou talvez eu simplesmente fosse sensível demais a qualquer coisa que viesse dele.
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